JÁ QUE VIVER É COMEÇAR A MORRER,PREFIRO CONTINUAR SONHANDO - REBECA BEDONE

Já que viver é começar a morrer, prefiro continuar sonhando

Tem momentos na vida em que precisamos lutar com todas as forças. Somos colocados em espaços vazios, lugares abandonados de almas. Há um grito de desespero. À beira do leito, o pai segura a mão do filho em fase terminal do câncer. Atrás das cortinas, alguém procura sua ilusão perdida; enquanto que, em algum lugar por aí, um romance fracassado morre afogado em melancolia. Lá fora já está amanhecendo, enquanto se faz escuridão aqui dentro.
Alguém sabe para que nós estamos vivendo?
Um tempo atrás, uma senhora chorava silenciosamente porque o seu cão acabara de morrer. Ao conhecer uma jovem mulher em uma sala de espera do consultório médico, lhe contou de sua trajetória triste; de como suas filhas, já falecidas, faziam-lhe falta, e, então, do labrador que fora adotado para alegrar sua casa, apesar de ser difícil viver alegre sem suas meninas. A senhora de olhar pequeno e distante conseguia sorrir com seu fiel amigo mesmo na sua infelicidade.
Foi com essa história que elas se despediram e ambas seguiram suas vidas. Depois da morte do cão, a senhora sentia um vazio enorme em sua casa, um buraco que a aumentava por dentro. Ela e o esposo olhavam todos os dias para o espaço onde ficava a cama do animal, como se esperassem que ele chegasse a qualquer instante. Então, o tempo passou; e, com os dias, uma cadela vira-lata apareceu na varanda de casa, grávida. Foi alimentada, deu cria, e, agora, quatro cães ocupam a antiga cama do labrador.
Cheia de uma luz renovada, a senhora, que sabia o nome e o sobrenome daquela moça que conhecera na sala de espera do seu médico, a procurou pela internet e lhe enviou uma mensagem por uma rede social.
No primeiro encontro, ela surpreendera a jovem mulher ao dizer: “nada dura para sempre”. Nesse encontro virtual, a surpresa veio com “nada acontece por acaso”, seguida da bela história emocionante do amor entre um casal de idosos e seus cachorros adotivos.
É que tem dias que a vida se complica mesmo. São tantos os desafios. Temos que trabalhar duro para sustentar uma casa onde mora ausência, mágoa ou dor. Estamos sempre com pressa, mas, mesmo assim, nos falta tempo. Porém, o que quer que aconteça agora, deixemos à sorte; um outro ataque cardíaco, um outro romance fracassado, uma nova derrota? A vida continua.
É. Nós estamos aprendendo, aprendendo e aprendendo. Quero pintar a alma como as asas das borboletas. Como Freddie Mercury podia, eu também posso voar, meu amigo! Pinte a sua alma também. Não desanime. Supere. O coração está partido e a maquiagem se desfazendo, mas o sorriso permanece. O show tem que continuar… Sim.
Vem. Hoje voaremos pela nossa imaginação. De braços abertos, enviaremos beijos ao vento num passeio sobre a carroceria de um caminhão de amarguras. Brincaremos com pinguins e gorilas, e dançaremos sob uma chuva de papéis rasgados. Faremos mágica com a tristeza ao abrirmos a porta secreta do nosso guarda-roupa. O show da vida tem continuar.
Deve ser por isso que estamos vivendo. Por nossa capacidade de suportar. Por nossa resiliência. Por nossa disposição para fazer um novo começo a cada vez que nossas cortinas se fecham.
Morremos um pouco todos os dias, mas ainda somos amantes da vida!
(Crônica inspirada na música “The Show Must Go On” da banda Queen).

Por Rebeca Bedone

Fonte:http://www.revistabula.com/4982-ja-que-viver-e-comecar-a-morrer-prefiro-continuar-sonhando/

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