A ESPIRITUALIDADE NO TAO - TEXTO SOBRE TAOISMO (WU WEI)

XII. A Espiritualidade no Tao - Texto Sobre Taoísmo [Wu Wei]

O texto a seguir foi retirado do livro "Wu Wei - A Arte de Viver o Tao" de Theo Fisher. Ele introduz alguns conceitos fundamentais sobre a arte de viver taoísta, baseada no wu wei.

Após ter lido tudo isto você perguntará se ainda existe algo além da vida descrita no presente. Uma experiência que seja muito espiritual, muito divina. Existe. Na verdade esta experiência é o estado pleno da vida no Tao. Dominar o cotidiano partindo desta nova forma pura de observação nos trará uma série de acontecimentos felizes, mesmo dominando apenas parcialmente a prática do Tao e sempre nos deixando alcançar e distrair pela velha forma de viver. Esta existência não tem nada de santa ou religiosa, nenhuma felicidade física é renegada, nada é negado à pessoa do Tao. Uma pessoa que se orienta na sua própria moralidade arraigada agirá sempre certo, não surgirão conflitos entre espiritualidade e prazer. Quando você viver a sua vida mais ou menos perfeitamente no presente, e quando se tornar cada vez mais capaz de negar o seu próprio conhecimento adquirido, as experiências diárias de antigamente, e tudo que lhe é ditado de fora, quando você passar os seus dias despreocupadamente, então estará vivendo no espírito do Tao e terá contato imediato com o seu próprio “eu”. No campo espiritual existem inúmeros ensinamentos e métodos sobre: como a pessoa pode alcançar a iluminação. No zen-budismo a iluminação significa Satori, e alcançar Satori é logo de início o objetivo de todo praticante. Já no conceito “praticante” fica clara a diferença entre o Tao e todas as outras filosofias: o Tao é vivido, neste sentido não conhece nenhuma disciplina especial como, por exemplo, a meditação sentada durante determinado tempo ao dia, e também não possui normas sobre comportamento moral e afastamento de diversões “do mundo”. Na visão do Tao tais normas apenas apresentam outras formas de ligação das quais a pessoa deve se libertar caso queira realizar o Tao. O Tao também conhece a meditação, e na sua forma e ação mais harmoniosa e completa. Eu ainda falarei sobre isto. Mas, esta iluminação, indiferente de como ela é entendida, no Tao é um acontecimento obrigatório, que vem ao encontro de todos os que se movimentam no presente honestamente, abertos e livres de pressões e preocupações, e que deixa a vida ser dirigida por suas forças interiores. Exercícios do tipo meditativo – já mencionei no texto anterior – são exclusivamente processos no cotidiano, contêm a observação dos acontecimentos em nós mesmos, e servem para criar a atenção. Estas medidas espirituais não estão ligadas a nenhum horário e a nenhum ritmo. Nós nos servimos delas para conseguir a liberdade interior, e isto quantas vezes for necessário.

Como foi dito, o Satori ou a iluminação ocorre um dia de per si, sem que você tenha de fazer muito esforço para isto. Este estado de iluminação (uma palavra muito utilizada, mas não conheço nenhuma melhor) não tem nada de santo ou hipócrita em si, nenhuma pessoa será impedida de ter uma vida normal – apenas, esta vida, a partir de agora, terá uma qualidade totalmente diferente, muito melhor. É extremamente difícil descrever como uma pessoa iluminada realmente se sente. Você conhece este perfume especial que a natureza exala às vezes em lindas noites de primavera? Nós o denominamos simplesmente perfume de primavera. Tente descrever esse perfume para que uma outra pessoa que não o conheça possa senti-lo. Impossível, não é? Assim ocorre com esta iluminação. Ela pertence a uma dimensão para a qual a nossa linguagem ainda não encontrou palavras. E o Homem só sabe reconhecer e sentir o conhecido. Ele não encontra relação com coisas além de sua experiência. Por isto quero tentar passar-lhe uma impressão da coisa baseando-me em fenômenos conhecidos e sentimentos. Eu disse propositalmente “coisa” para que de maneira alguma alguém tenha a impressão de que estamos falando de religião. O Homem vive a iluminação na forma correta de viver, acreditando ou não nela. Esta experiência não está ligada a nenhum dogma ou padrão de conduta exterior, ela também não aceita ser exigida, nem através de orações ou constantes meditações. Esta forma de conseguir as coisas – e muitas pessoas o fazem assim – pode ser comparada com o empreendimento inútil de sentar-se ao volante de um carro de motor desligado e tentar movimentar o veículo com batidas de impulso contra o cinto de segurança.

No capítulo anterior eu expus que o Tao (e também o Zen) não vê o universo como uma coleção de partes individuais, mas como um todo fechado. A pessoa iluminada sente espontaneamente a unificação entre ela e o resto da criação, ela se sente totalmente integrada no todo. É a compreensão de como o cosmos é formado antes que ele em forma de matéria, acessível à nossa
razão. Isto não é experiência da compreensão, o iluminado tem acesso a áreas do seu inconsciente, porém ele não as sente através de seus pensamentos, mas através de sua intuição. Ele simplesmente sabe das coisas, compreende-as, sem poder explicá-las ou saber a sua origem. Resumindo, é o conhecimento direto de um todo independente, que não pode ser desmembrado.

Nosso “eu” é uma formação de recordações e pensamentos que pulsam ininterruptamente. Por efeito de troca os pensamentos criam o pensador, o ego, e este, por outro lado, produz os pensamentos, através dos quais existe. No estado de iluminação o pensamento pára na forma que era até hoje. O Homem ainda fica com as suas recordações, conhece o endereço do seu domicílio, e dispõe ilimitadamente de suas habilidades aprendidas, mas sua vida cotidiana não é mais dirigida pelos pensamentos, e sim pela intuição. Os pensamentos ainda surgem, mas se movimentam longe da consciência, como se o referido se movimentasse em um vale largo e seus pensamentos estão suspensos longe do seu centro passando silenciosamente beirando as montanhas. O pensamento está muito longe do iluminado. E com o pensamento o “eu” também pára de existir. E o nosso ego não consegue mais nos dominar assim que o solo alimentício lhe for tirado. E assim é sentida a realidade com atenção livre, sem opiniões distorcidas e preconceitos. A força original do “eu” pode agir livre e desimpedida. Eu quero expressá-la com uma metáfora. Você conhece o atual estado dos rios alemães. Do lado direito e do esquerdo eles são limitados pelos diques, as suas irregularidades, curvas e velocidades são alinhadas, e as suas águas estão quase mortas, totalmente poluídas. Semelhante a isso é a nossa vida. Limitada pelos diques de regulamentações externas e opiniões próprias falsas, alinhada, os cantos e quinas endireitados pela educação que só servia para o objetivo de nos adaptar às normas da sociedade em que vivemos. Um rio destes não consegue mais se despoluir, está entregue ao lixo que é ininterruptamente jogado dentro dele. A vida dentro dele se extingue. Se destruíssemos os diques, deixássemos a correnteza procurar o seu próprio caminho pela natureza, logo ele correria novamente em curvas, poderia despoluir-se e seria saudável. A mesma coisa ocorre com nossa vida. Se formos capazes de destruirmos os diques que nos são colocados, e nos desenvolvermos espiritualmente e deixar que a vida tome o seu rumo naturalmente – então seremos iguais a uma correnteza que flui livremente. Nós saramos e toda a imundice será colocada para fora pela força da corrente da própria vida. E este estado totalmente livre, esta vida sem limitações é própria do iluminado.

A iluminação é o encontro direto, o contato direto com o Absoluto. Então cessa a separação da realidade em inúmeras manifestações isoladas, que são a obra da razão, e a pessoa não tenta mais compreender a realidade desta forma. Os momentos paralelos que o presente forma são ao mesmo tempo a eternidade. Eternidade é o presente constante, e neste presente vive a pessoa do
Tao. Por conseguinte a iluminação também é uma experiência do presente absoluto. E a iluminação abre os olhos da pessoa para a realidade, ela poderá ver as coisas como elas realmente são, aqui, em pleno presente.
Existe uma possibilidade, um método, para apoiar o passo para a iluminação? Existe, mas ela está ligada a uma série de condições, ela deve funcionar. O Taoísmo conhece um tipo de ioga. Esta ioga tem grande semelhança com a ioga indiana, mas a sua origem é chinesa. Ela tem como objetivo principal uma longa vida terrestre e ocupa-se com diferentes técnicas de respiração, que podem criar estados semelhantes ao kundalini. Mas não quero falar dessa ioga. A meditação é um caminho que seguramente o levará mais próximo à perfeição. Isto é, a meditação de uma qualidade especial. Citarei Lao Tsé:

Se permanecermos em silêncio total, então surgirá a luz divina. Quem irradia esta luz divina, este verá o seu verdadeiro “eu”. Quem preservar o seu verdadeiro “eu”, realizará o absoluto.

Não tem sentido nenhum se você se sentar agora, tentar reprimir os seus pensamentos, e permanecer um tempo de pernas cruzadas, vinte minutos ou uma hora. Isto é bobagem total, e na melhor das hipóteses poderá lhe dar uma impressão de tranqüilidade. Antes de iniciar a meditação do silêncio, você deve ter consciência de todos os seus compromissos, e tê-los afastado um a um. Quem quiser meditar corretamente terá de estar livre de todos os seus compromissos, livre destes diques que limitam tanto o seu espírito e a sua saúde mental. Mencionei várias vezes como você pode sair deste dilema de compromissos. Esta observação dos processos em você já foi uma forte meditação – e ela funciona. Se você viver um estado de espírito despreocupado, alegre e hoje cheio de vitalidade, no aqui e agora, sem sequer pensar em ontem ou amanhã – então chegou a hora da verdadeira meditação.

Você pode realizar o exercício do silêncio em qualquer lugar. Em um canto tranqüilo de casa, em um passeio na natureza, ou até mesmo dentro de um transporte público. Você pode escolher se quer ou não fechar os olhos, a mesma coisa com a sua postura corporal. A meditação ou funciona, ou não. O sucesso não depende da postura física. E não fixe um horário para a sua meditação. E não planeje a duração dela. Observe um gato. O animal se deita ou senta em seu lugar e fica parado durante um tempo. Quando ele achar que é suficiente, ele levanta e passa a fazer outra coisa. Ele não pensa em sentar ou deitar, ele simplesmente o faz, e para quando for suficiente. Assim você deveria exercer a sua meditação, como este gato. Sem propósito, sem obrigação, na postura que lhe for confortável, andando, sentado, ou deitado. Medite o tempo que lhe for agradável, não se force a nada. Um minuto de meditação bem feita vale mais do que muitas horas de meditação que você exerce no espírito errado.

O conteúdo de sua meditação é o silêncio. Não é o silêncio resultante de estímulos reprimidos, ou de pensamentos brecados forçadamente. Naturalmente a sua mente deveria estar livre de pensamentos que atrapalhem. Esta liberdade você alcançará de maneira até fácil, quando aparecer simplesmente como observador de seus pensamentos, e esperar por eles antes mesmo que apareçam. Neste exercício você logo perceberá que os seus pensamentos se acalmam, se tornam mais raros, até que um dia parem completamente. Você precisa apenas mantém distância deles, e deve parar de ocupar-se com eles. Esta observação, a sua atenção você só consegue manter durante a sua meditação. Fique tranqüilo e seja atencioso. Escute o seu interior com todos os seus sentidos. Não é necessário mais nada. Se esta meditação for praticada em um estado de liberdade interior, lhe resultarão energias muito fortes, e incorpora uma inteligência que por outro lado está estabelecida no seu pensamento racional. E um certo dia, bem despretensiosamente e sem efeitos colaterais espetaculares, como por exemplo, percepção de luz ou outras visões, você viverá uma imagem abrangente da verdade. A verdade, também chamada de iluminação, instalou-se em você.
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