O QUE CARACTERIZA UMA OBRA-PRIMA ?

Leonardo da Vinci


                                                     Leonardo da Vinci
                                                 A cabeça da mulher, c.1473
                                                     Tinta sobre papel

O que caracteriza uma obra-prima?

A função – se assim podemos chamar – e o objectivo de uma grande obra de arte, as expectativas nela depositadas e o papel do artista não são imutáveis; variam consoante a época e a sociedade.  Mesmo assim, algumas obras são “intocáveis”,  e recebem a alcunha de obras-primas.
Diante destes grandes trabalhos, há perguntas incontornáveis que todos nós, apreciadores da arte, fazemos. Até que ponto tornar-se uma obra prima pressupõe uma qualidade do objecto ou é uma projecção do artista? Ou, ainda, até que ponto o valor destes objectos estéticos é definido pelo observador?
Diego Velázquez
Diego Velázquez
Las Meninas, 1656
318 x 276 cm
De uma forma simplificada, as obras-primas destacam-se por terem a capacidade de narrar algo além da sua própria época de criação e oferecerem uma inspiração e um significado que atravessam os tempos.
Antes da Renascença, o artista era considerado um artesão e uma obra-prima era um trabalho submetido a sua virtuosidade profissional como uma espécie de prova de que ele dominava as habilidades técnicas necessárias.
Já os grandes mestres renascentistas propuseram que o artista deveria ser julgado mais pelas seu intelecto do que por sua perícia manual.
Leonardo da Vinci
Leonardo da Vinci
A cabeça da mulher, c.1473
Tinta sobre papel
Com o passar dos tempos, e em especial após a Revolução Francesa, a consagração de uma obra-prima  passou a estar estreitamente ligado ao acervo de um grande museu, onde estes verdadeiros tesouros da humanidade são até hoje expostos.
Após esse breve passeio pela história, aqui destacamos alguns pontos-chave para reconhecer uma obra-prima:
Virtuosismo
Ao julgar qualquer desempenho excepcional, a habilidade técnica é uma das primeiras considerações.
Um bom artista  deve ter completa maestria das técnicas escolhidas, conhecimento e imaginação para fazer essas habilidades conjugadas com as regras artísticas atingirem limites nunca antes pensados. O verdadeiro virtuoso faz com que todo este “ritual” pareça simples e natural.
Caravaggio
Caravaggio
Blefadores, c.1594
Óleo sobre tela
94.2 x 131.2 cm
Canaletto
Canaletto
Olhando a noroeste, a partir do Palazzo Balbi em direção à ponte Rialto, c.1719
Óleo sobre tela
Inovação
A partir do Renascença, a sociedade busca e reconhece a inovação. Ser o primeiro  em qualquer área significa  ser lembrado como uma figura-chave na História.
São exemplos de inovação Giotto, por ser o primeiro artista a utilizar a perspectiva em pintura, e Picasso, por sua versatilidade artística e co-criação juntamente com Georges Braque, de um dos maiores movimentos do século XX, o Cubismo.  Ambos conseguiram reescrever as regras vigentes da arte europeia. E oferecer um novo horizonte para linguagem visual existente até os dias de hoje. Muitos artistas posteriores  desenvolveram-se sobre o legado destes dois.
Giotto
Giotto di Bondone
A lamentação, 1305
Cappella dei Scrovegni, Pádua – Itália
Johannes Vermeer
Johannes Vermeer
View on Delft, c.1660
Óleo sobre tela
96.5 x 117.5 cm
Mecenato e patrocínio
Até o desenvolvimento do mercado moderno de arte no século XIX, grande parte das obras era encomendada por um patrono ou mecenas que na maioria das vezes definia o tema da obra.
As cortes reais da Europa a Igreja Católica eram os principais “clientes” dos artistas. Também exerceu um papel muito forte a família Médici, que construiu uma das maiores colecções de arte através do seu papel no mecenato em Itália e que deu origem a primeira galeria de arte do mundo, a  Galleria degli Uffizi, em Florença. Com o Romantismo surgiu o artista autónomo, centrado em si e livre de qualquer amarra social.
Peter Paul Rubens
Peter Paul Rubens
O encontro entre o Rei e Maria de Medici em Lyon, em 9 de Novembro de 1600
1622
Óleo sobre tela
394 x 295 cm
O papel do artista
Um dos mitos da História da Arte mais persistentes é do grande artista que não é reconhecido em vida, apenas muitos anos após a sua morte. Embora ainda seja uma realidade, há diversos exemplos que contrariam este facto, como Claude Monet, Picasso,Michelangelo, TicianoRenoir… apenas para citar alguns.
Toulouse-Lautrec
Toulouse Lautrec
A dança no Moulin Rouge, 1890
Óleo sobre tela
115.5 x 150 cm
Claude Monet
Claude Monet
Nymphées, 1906
87.6 x 92.7 cm
Muito comum é o artista ser louvado em vida e após alguns séculos ser (re)descoberto por ser uma influência de um novo artista ou por aparecer em nota de rodapé de algum artigo da História da Arte. 
Nem o reconhecimento em vida, nem o mérito tardio faz um artista imortal. Os artistas vivem e trabalham dentro de um contexto complexo que sofreu algumas alterações ao longo dos séculos, mas em raiz continua o mesmo. Feito de patrocinadores, coleccionadores, comerciantes, novas classes que ao espremer conceptualmente a arte têm a mesma função de outras já existentes, assim como outros artistas.
Destacar-se nesta teia muito bem costurada requer coragem e trabalho. Muito trabalho.  Estas qualidades podem trazer sucesso a médio prazo, mas só aqueles dotados de um conjunto tão único de combinações e uma visão profunda, que não usam a arte como um fim em si, mas um meio para narrar verdades existenciais a toda humanidade, são os que conseguem criar as obras-primas que resistem ao crítico mais severo de todos: o tempo.
Este mesmo crítico severo é quem nos garante não haver nunca a certeza de que aquilo que se produz hoje na arte contemporânea produzirá alguma obra-prima. Os trabalhos de hoje são uma uma promessa para a história da arte, mas nunca uma certeza.
Henri Matisse
Henri Matisse
Harmonia em Vermelho, 1908
Óleo sobre tela
180 x 220 cm

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