OS DRONES,AVIÕES SEM PILOTO,QUE CUMPREM OBJETIVOS MILITARES,MAS TAMBÉM MATAM CIVIS E CRIANÇAS

NADA CIRÚRGICO -- Um drone em pleno ataque (Foto: Divulgação)
NADA CIRÚRGICO -- Um drone em pleno ataque (Foto: Divulgação)

ESSE AVIÃO TEM RUMO?


Os drones – como os americanos chamam as aeronaves pilotadas por controle remoto – são um show como arma de guerra, mas apresentam um enorme desafio à ética
Há mais de um século os militares procuram um avião que, controlado remotamente, possa espionar as fileiras inimigas e, de preferência, atacá-las. A busca começou na I Guerra Mundial, chegou aos campos de batalha na II Guerra Mundial, tomou impulso durante a Guerra Fria e atingiu um certo apogeu quando Israel inventou uma versão moderna de aviões não tripulados durante os conflitos com o Líbano na década de 80.
Até então os aviões eram usados em missões de reconhecimento. Os americanos, com seu olho de águia para a tecnologia, inspiraram-se no sucesso israelense e criaram seu próprio avião de controle remoto – o Predator, que entrou em operação em 1995. Era um avião humilde, que os militares americanos tratavam como mero “planador com motor de snowmobile”.
A história começou a mudar em 12 de setembro de 2001, dia seguinte aos devastadores atentados a Nova York e Washington. Naquele dia, os Estados Unidos despacharam três aviões controlados remotamente para o Afeganistão. A novidade é que as aeronaves já não eram apenas espiãs, não serviam somente para missões de reconhecimento.
Além de reunirem tudo o que a tecnologia moderna permitia – de sensores miniaturizados a câmeras de alta definição -, eles carregavam armas: explosivos, bombas, mísseis. O drone (zangão, em inglês), como os americanos chamam o avião pela semelhança, no barulho e na forma, com um zangão, começou a mudar o curso dos conflitos militares.
Em 2009, ao falar da eficácia dos drones, Leon Panetta, então diretor da CIA, afirmou: “Falando francamente, não tem nada igual”.
Os drones americanos, em geral, são pilotados por dois militares, que ficam numa base em território americano. Um pilota o avião. O outro comanda sensores e câmeras. Versões mais modernas dispensam até o controle remoto. Os drones voam autonomamente, seguindo um plano previamente estabelecido.
São máquinas maravilhosas. Filmam tudo, em imagens de alta definição, não oferecem risco à vida de nenhum piloto, podem voar a mais de 20000 metros de altura, carregam toneladas de explosivos, fazem voos transoceânicos e podem permanecer no ar por horas, dias, semanas – já há projetos de drones que ficam anos sem precisar aterrissar.
Protesto contra o uso da arma no Paquistão: na lista dos mortos, até 900 civis e 200 crianças (Foto: Corbis / Latinstock)
Protesto contra o uso da arma no Paquistão: na lista dos mortos, até 900 civis e 200 crianças (Foto: Corbis / Latinstock)
São o sonho de qualquer militar. São precisos e rápidos. Foram a principal arma americana para localizar e matar cinquenta líderes da Al Qaeda, virtualmente destruindo a organização terrorista. Os militares saúdam os drones como a chegada da guerra cirúrgica e asséptica como um videogame.
Por trás das maravilhas divulgadas sobre os drones, no entanto, há um universo controverso, incômodo e desconcertante. Mesmo que a disparidade na capacidade militar entre inimigos exista desde que alguém jogou a primeira pedra na savana africana, é perturbador que um militar, sentado numa poltrona, numa sala com ar condicionado, possa matar alguém do outro lado do planeta.
Os ataques de drones começaram no Afeganistão, durante o governo de George W. Bush, em resposta aos atentados de 2001. Mas, usando a autorização dada pelo Congresso ainda no governo anterior para enfrentar os terroristas, o governo de Barack Obama alçou os drones à sua era de ouro.
Os ataques se espalharam para o Paquistão, o Iêmem, a Somália. Já houve até operações nas Filipinas. Em qualquer país, os alvos são sempre terroristas, ou militantes, ou suspeitos – mas, por suspeitos, entenda-se qualquer pessoa que age como se fosse terrorista. Há drones sob o controle da Força Aérea, mas outros são comandados pela CIA, a agência de serviço secreto.
Embora a frequência dos ataques venha caindo nos últimos meses, estima-se que, só no Paquistão, o total de mortos oscile entre 2500 e 3500. Entidades internacionais calculam que, entre os mortos, pode haver até 900 civis e 200 crianças.
Há dúvidas sobre a legalidade, a moralidade e até a eficácia dos ataques. A Casa Branca alega que as operações estão respaldadas pela autorização do Congresso concedida ainda no governo Bush, e os ataques dos drones têm sido singularmente precisos e eficazes, como mostra o desmonte da Al Qaeda.
Os críticos dizem que a Casa Branca extrapola abusivamente o alcance da autorização do Congresso ao alvejar suspeitos cuja identidade nem sequer conhece, e não se pode falar em precisão quando, numa lista de até 3500 mortos, apenas cinquenta são líderes da Al Qaeda, o alvo principal.
Em discurso recente, o presidente Barack Obama admitiu o uso abusivo de drones ao dizer que, de agora em diante, eles só serão usados como última opção e só quando houver “quase certeza” de que o alvo está no local sob mira e não há risco para civis. Mas nada disse sobre a CIA, que, aparentemente, continua comandando drones, apesar de ser uma agência secreta.
Sob as leis internacionais, a questão é ainda mais complexa. Um relatório das Nações Unidas, que abriu uma investigação especial sobre as vítimas civis dos drones, afirma que, se outros países alegassem a mesma autoridade dos Estados Unidos para “matar pessoas em qualquer lugar e a qualquer hora, o resultado seria o caos”. A ambiguidade moral da atitude americana é evidente.
Em artigo publicado no New York Review of Books, o diretor da Human Rights Watch, Kenneth Roth, questionou: “Será que o governo realmente tem o direito de atacar qualquer um que entenda ser um combatente contra os EUA? E se essa pessoa estiver caminhando nas ruas de Londres ou Paris?”.
Os drones acabaram transformados em estrelas da guerra sem que ninguém antevisse o fenômeno. Assim, a arma começou a ser empregada sem limites éticos, sem objetivos estratégicos, sem uma doutrina. O desafio é adaptar os códigos militares do século XX a uma arma do século XXI. Nas décadas de 40 e 50, os presidentes Harry Truman e Dwight Eisenhower tiveram de enfrentar o desafio de definir uma doutrina para disciplinar o uso de uma nova tecnologia militar – a nuclear. Houve abusos, que os vencedores deixaram esquecidos nas cinzas.
MORTE A DISTÂNCIA -- Operadores de drones numa base da Força Aérea, no estado do Novo México: nas telas, imagens do Afeganistão (Foto: Reuters)
MORTE A DISTÂNCIA -- Operadores de drones numa base da Força Aérea, no estado do Novo México: nas telas, imagens do Afeganistão (Foto: Reuters)
Na II Guerra, depois da explosão das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, houve militares americanos de alta patente confessando o temor de que poderiam acabar sendo processados como criminosos de guerra, caso o Japão tivesse saído vitorioso.
Mas a política americana, com a definição de limites e objetivos, ajudou a evitar uma hecatombe nuclear. Obama precisa alçar-se ao desafio de disciplinar a nova tecnologia, enquanto há tempo – em vez de estabelecer um padrão de uso que, como diz a ONU, levaria ao caos.
No mundo civil, as regras estão começando a aparecer, pois é inevitável que drones sigam o mesmo caminho de outras inovações tecnológicas, como a internet e o GPS, que foram criadas no meio militar e acabaram virando objetos de uso comercial. Nos próximos cinco anos, a Federal Aviation Administration (FAA), órgão responsável pela aviação americana, estima que haverá cerca de 7 500 drones voando no país em atividades civis: monitorando o clima, fertilizando plantações, ajudando em operações de resgate, patrulhando fronteiras.
Já há empresas de energia elétrica que usam drones para inspecionar o estado das linhas de transmissão. Os estados americanos já disputam entre si para ser sede da nova indústria, as universidades já estão criando as primeiras faculdades de drones.
Num sinal de que o futuro é vasto, na semana passada a Domino’s, cadeia de lojas de pizza, postou um vídeo no YouTube mostrando, na Inglaterra, um drone voando sobre árvores e rios para entregar duas pizzas a um cliente – aqui, sim, rápido, cirúrgico e eficaz. E sem dúvidas éticas.

FOTOS E VÍDEO: eles já mataram mais de 2 mil terroristas — mas, agora, há “drones” de paz. Confiram


DRONE PORTÁTIL -- O Parrot AR, vendido pela internet, é comandado pelo celular. Só lhe falta um piloto automático
DRONE PORTÁTIL -- O Parrot AR, vendido pela internet, é comandado pelo celular. Só lhe falta um piloto automático

OS DRONES DA PAZ
Desenvolvidos para uso militar, os aviões não tripulados já são utilizados para mapear fazendas e identificar falhas em usinas nucleares. Por 600 reais, dá para ter um em casa
Drones são objetos voadores autônomos, capazes de se deslocar de um ponto a outro e de realizar tarefas no ar sem que ninguém precise pilotá-los, ainda que de longe. São, portanto, robôs alados.
Nos últimos dez anos, esses pequenos aparelhos com formatos estranhos povoaram o céu de países conflagrados, fotografando e coletando informações ou fazendo ataques aéreos em lugares perigosos demais para aviões ou helicópteros comuns.
Mais de 2.000 terroristas já morreram em bombardeios feitos por drones americanos em países como Paquistão, Iêmen e Somália. Como ocorre frequentemente com tecnologias criadas para uso militar, os drones deixaram de ser apenas ferramentas letais ou de espionagem.
PULA-PULA -- O Bounce Imaging faz no chão o que os drones fazem no ar: fotografar em lugares inalcançáveis
PULA-PULA -- O Bounce Imaging faz no chão o que os drones fazem no ar: fotografar em lugares inalcançáveis
Já há alguns sendo usados na detecção de pragas nas lavouras, na perseguição de fugitivos da polícia, no controle de fronteiras e no monitoramento de usinas nucleares ou de turbinas eólicas. A indústria cinematográfica utiliza os drones para fazer filmagens aéreas, com a vantagem de eles serem mais baratos que aeronaves tripuladas e conseguirem entrar em espaços menores.
É possível, por exemplo, fazer uma cena contínua que começa no quintal de uma casa e termina no terraço do 20° andar de um prédio sem precisar recorrer a efeitos especiais.
A polícia já usou um drone produzido no Brasil, o Escorpion, para fazer a vigilância de favelas. Fabricado pela SkyDrones, de Porto Alegre, o aparelho cabe na mochila de um policial, tem autonomia de voo de trinta minutos e custa 35000 reais. Em comparação, um helicóptero que poderia ser usado para realizar a mesma missão de vigilância aérea custa no mínimo 3 milhões de reais.
A empresa AGX, de São Carlos, no Estado de São Paulo, vende duas unidades por mês do Arara, um drone com preço inicial de 180.000 reais que monitora e mapeia fazendas e reservas naturais.
Já consagrados na área militar e com aplicações comerciais cada vez mais promissoras, os drones ainda estão em fase experimental no uso doméstico. O que não falta é gente “experimentando”: estima-se que só nos Estados Unidos sejam postos no ar 1.000 novos drones pessoais por mês.
Alguns, como o Parrot AR, à venda na loja virtual Amazon por cerca de 600 reais, só podem ser considerados verdadeiros drones se conectados a um dispositivo – vendido à parte – que funciona como um piloto automático. Outros são mais completos e fazem tudo o que um drone militar faz, menos explodir terroristas.
O que diferencia os drones pessoais dos aeromodelos, os aviõezinhos não tripulados construídos e pilotados por hobby, é que os primeiros, além de ser capazes de fazer voos pré-programados, têm a aparência totalmente subordinada à sua função. Por isso os drones têm formatos tão exóticos.
PRIMOS -- O design dos drones, como o Arara, não tenta imitar o dos aviões normais, como fazem os aeromodelos
PRIMOS -- O design dos drones, como o Arara, não tenta imitar o dos aviões normais, como fazem os aeromodelos
Alguns parecem aranhas, arraias ou polvos. Outros são esféricos. Como não possuem arestas, podem entrar e sair de ambientes pequenos, como cavernas ou casas, sem ficar presos a obstáculos. Os drones pessoais se beneficiam dos mesmos avanços tecnológicos existentes nos smartphones, dos microprocessadores menores e mais eficientes às câmeras diminutas e com boa resolução, passando pelos acelerômetros (sensores de movimento) e pelo GPS.
Na maioria dos drones domésticos, a rota a ser percorrida é controlada por meio dessa tecnologia de localização por satélite. Já no Parrot AR, a comunicação entre o aparelho e o “piloto” em terra é feita via internet sem fio, e os comandos estão todos na tela de um celular.
Por enquanto, ninguém sabe muito bem que utilidade doméstica um drone pode ter. Espionar a vizinha na piscina é uma opção a ser descartada, pois configura invasão de privacidade.
A possibilidade de ver sem estar presente ou sem ser visto também é o conceito que levou um aluno do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, a criar o Bounce Imaging, uma esfera do tamanho de uma bola de tênis que, atirada dentro de um apartamento, por exemplo, captura imagens panorâmicas e coleta informações do ambiente, como a temperatura e os níveis de oxigênio.
BOLA VOADORA -- O drone esférico feito no Japão pode entrar em edifícios danificados para salvar pessoas soterradas
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O Bounce Imaging pode ajudar no trabalho de bombeiros e policiais, mas, como os drones, não parece muito útil no dia a dia. O mesmo se pensava, porém, dos primeiros computadores, cujas funções eram muito limitadas. No futuro, quem sabe, os drones poderão até substituir os motoboys, entregando pizzas e levando documentos a cartórios.


Reportagem de André Petry, de Nova Iorque, publicada em edição impressa de VEJA

Fonte:http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/vasto-mundo/esse-aviao-tem-rumo/

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