BUTÃO : UM PARAÍSO PERTO DO CÉU

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O monastério de Taktsang, conhecido como o “Ninho do 
Tigre”, fica a 3.000 metros de altura

BUTÃO

Perto do céu

Monastérios budistas e natureza preservada são as principais atrações do país asiático


PUBLICADO EM 21/06/14 - 
O menino que estuda para ser monge budista chega atrasado a um salão do monastério lotado de garotos de diferentes idades, todos com a cabeça raspada e cobertos com um manto vermelho. Ele consegue entrar e se sentar no chão sem que o mestre perceba. Quando nota que a visitante estrangeira viu sua manobra inocente, dá um sorriso cúmplice, começa a recitar seus mantras e se desliga do que está à sua volta. A antiga fortaleza Rinpung Dzong, do século XVII, é uma escola monástica no Vale de Paro, no Butão. É um universo pouco familiar aos olhos de um ocidental – assim como tudo o que envolve o pequeno país. Mas quem vem de longe também consegue se sentir em paz. O povo, suas tradições e a paisagem deslumbrante fazem do chamado “Reino do Dragão” um dos destinos mais fascinantes do mundo.

O Butão não pode ser comparado a nenhuma outra nação asiática. Está espremido entre dois gigantes, a Índia e a China, mas não se deixou anular por suas influências, assim como jamais foi colonizado. Num continente onde a urbanização é tão acelerada quanto descontrolada, os butaneses seguem um ritmo próprio.
Shangri-la
Até a década de 60, não havia estradas. A TV só chegou no final dos anos 90. A democracia é recém-nascida: a primeira eleição livre aconteceu há apenas seis anos. Setenta por cento da população ainda vive da agricultura. As montanhas são cobertas por bandeirinhas coloridas que contêm preces pela compaixão e a harmonia a serem espalhadas pelo vento. A altitude deixa os viajantes sem ar, mas o que realmente tira o fôlego é a beleza dessa terra intocada. Um clichê predomina quando se fala sobre o Butão, nome que nem todo mundo saberia localizar no mapa. Shangri-la, ou seja, o “paraíso perdido, é uma definição frequentemente usada para descrever o lugar, e não é difícil entender o porquê.
Encravado nos Himalaias, o reino, com apenas 725 mil habitantes, está aberto ao turismo, mas nem tanto. É uma indústria controlada, de baixo impacto e alto valor, com limitações – a começar pelo complicado acesso – que só aumentam a mística em torno do destino. O governo não quer turismo de massa, com multidões lotando as trilhas e desrespeitando as tradições.
Visitas limitadas
As agências oficiais organizam cada passo da viagem, incluindo reserva das passagens (só existe uma companhia aérea, a Drukair), refeições e guias para acompanhar os turistas estrangeiros.
Circular sozinho é proibido. Além disso, é necessário pagar uma taxa (US$ 40) por cada dia de permanência. Os pacotes mais baratos estão em torno de US$ 200 a US$ 250 por dia. O alto luxo existe – representado por hotéis como o Amankora (da cadeia Amanresorts) – e inclui confortos da vida moderna, mas sem exageros.
A comida local não é o forte do país. O que faz do reino uma viagem memorável é a determinação dos butaneses em manter sua identidade a qualquer preço.

País une o novo à tradição

Jovens usam jeans e celular; progresso é medido pela satisfação do povo

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Nas proximidades de Paro, são encontradas extensas plantações de arroz
O Butão começou a se abrir para o mundo na década de 70. No discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), o então rei Jigme Singye Wangchuck falou, pela primeira vez, sobre o conceito de progresso medido pela satisfação do povo, ou Felicidade Interna Bruta (FIB). O monarca acreditava que seria possível impulsionar a minúscula economia sem abrir mão dos valores espirituais budistas.

O indicador, que foi oficialmente adotado, mede aspectos como o bem-estar dos cidadãos, a preservação ambiental e o desenvolvimento educacional. O FIB ficou famoso e é motivo de orgulho para a população.
Em 2006, o rei abdicou em favor de seu jovem primogênito, Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, e uma nova era começou. O índice alternativo para medir a prosperidade não foi abolido, mas o primeiro-ministro Tshering Tobgay, eleito democraticamente em 2008, busca medidas mais ortodoxas para promover o crescimento e combater os problemas de desemprego.
Transformação
O país atravessa uma fase de transformações políticas, econômicas e sociais radicais. Os celulares são onipresentes e os jovens usam as mídias sociais, adoram filmes coreanos e as roupas tradicionais – gho (homens) e kira (mulheres) – predominam nas ruas, mas já não é contra a lei vestir jeans e camiseta.
Thimphu, a capital, reúne dois terços da população e vive um boom de construções. Ainda assim, nada lembra as caóticas capitais do Sul da Ásia. Todos os prédios devem seguir os rígidos padrões da arquitetura butanesa, com telhados de madeira inclinados e desenhos folclóricos (e fálicos) nas fachadas. A uniformidade não é monótona. Pelo contrário, é mais um raro exemplo de modernização sem descaracterização.
Para os padrões locais, Thimphu e Paro, onde fica o aeroporto internacional, são cidades imensas. Elas têm, contudo, apenas uma avenida. A capital sequer possui sinais de trânsito, que chegaram a ser instalados, porém deixaram os motoristas irritados. E como estresse não combina com os butaneses, o tráfego agora é controlado por um guarda solitário, vestido a caráter e abrigado numa cabine que parece saída dos tempos feudais.

UM SONHO
A olhos ocidentais: A professora canadense Jamie Zeppa foi dar aulas de inglês no
Butão como voluntária. Deveria ficar só alguns meses. Ficou dez anos. Em trecho de seu livro, “Além do Céu e da Terra”, publicado em 1999, ela descreve seu amor pelo país: “Eu me encantei por esse mundo do jeito que caímos no sono, atravessando camadas de escuridão até o sonho... Estou apaixonada pela minha vida simples, pelo quarto vazio, as estantes e paredes sem enfeites. Não quero voltar para casa no Natal. Nem em tempo algum”.

Exemplos de originalidade e simplicidade
Arquitetura: O palácio real em Paro segue as típicas construções locais, como os monastérios, reverenciados como redutos de mestres, que orientam jovens em busca, sobretudo, de iluminação
Capital: Jovens em rua de Thimphu, repleta de novas construções sem ser caótica; o país está em franca transformação, mas sem abdicar de seus seculares costumes e tradições
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Butaneses caminham ao redor da estupa (espiral dourada) no Memorial de Chorten
A dança dos aprendizes

Monastérios se espalham pelo país; butaneses se apegam às suas crenças religiosas


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ma hora de caminhada por trilha, a partir de Thimphu, leva ao monastério de Cheri
Rinpung Dzong, em Paro, erguida em 1644, já foi a maior fortaleza do Butão, protegendo o território dos invasores tibetanos. Hoje, é um monastério, onde dezenas de meninos são educados. Não é uma construção imensa, mas a visita pode demorar horas. É hipnotizante assistir aos jovens aprendizes circulando com seus mantos vermelhos, que dançam sob o vento forte. O lugar serviu de cenário para “O Pequeno Buda” (1993), filme de Bernardo Bertolucci.

Sejam encravados em penhascos ou ao longo das estradas, monastérios e templos são as grandes atrações do Butão – uma janela para que os turistas possam observar a rotina espiritual. Há milhares deles espalhados pelo país. No seu interior, em geral, não há ostentação. Os altares são coloridos, enfeitados com adornos simples, de papel ou massa, e oferendas (biscoitos, flores e frutas). A principal fonte de luz são pequenas lamparinas – as chamadas lâmpadas de manteiga de iaque.
Caminho
Para chegar ao monastério de Cheri, ou Chagri Dorjeden, como é conhecido, é necessário enfrentar uma trilha de cerca de uma hora, montanha acima, a partir de Thimphu. O caminho é tão mágico que a gente esquece a respiração ofegante (a capital está a 2,3 mil m de altitude).
A construção, de onde se tem uma vista perfeita do vale do Thimphu, data de 1620. Atualmente funciona como um importante centro para retiro espiritual. Muitos monges se reúnem ali para meditar (alguns por meses seguidos). Fazem voto de silêncio e comem o mínimo, mas sorriem para os visitantes que chegam suados e encantados com a paisagem. O tempo no alto da montanha parece ter parado em outro século.
Já o Memorial de Chorten, próximo à capital, é uma obra moderna (de 1974), mas também fundamental para entender a religiosidade dos butaneses. Trata-se de uma estupa (santuário budista comum na Ásia) em homenagem ao rei Jigme Dorji Wangchuck, avô do monarca atual. Caminhando ao redor da espiral dourada, a população faz as suas orações. Nas mãos, levam terços para entoar os mantras no meio do dia, sem pressa.
Os frequentadores mais idosos, alguns doentes, vão ali todos os dias. Sentam-se perto das rodas de reza – estruturas de madeira que cercam os templos e são um símbolo da sorte – comem, conversam ou apenas observam o movimento. Acreditam que o santuário faz milagres.
Costume
Os lábios e os dentes avermelhados de uma boa parte dos devotos que se vê ali têm explicação: a doma. A noz, típica dos Himalaias, é mascada à exaustão. Aquece o corpo, produz energia e diminui os efeitos da altitude. Mas pode viciar. É uma prática mais comum entre os moradores das áreas rurais.

Religião norteia de política a cotidiano

Tudo passa pelos templos e monges: decisões políticas de Estado, nascimento, casamento e morte


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No Monastério de Paro, crianças e adolescentes são preparados para serem os futuros monges
É realmente difícil não se deixar enfeitiçar por um lugar onde arco e flecha de bambu são o brinquedo preferido das crianças (como atividade esportiva, jamais para caçadas), onde não há poluição, as águas dos rios são transparentes, e meditar é rotina.

O budismo é mais do que uma religião para os butaneses. É um modo de vida que influencia decisões diárias e políticas de Estado. Tudo passa pelos templos e monges: nascimento, casamento, morte, mas também coisas mais banais, como uma curta viagem de carro (é importante rezar por um trajeto seguro) ou uma prece por um dia de sol.
A população, profundamente devota, pratica o budismo vajrayana, uma das escolas da religião. O Dalai Lama, líder espiritual do vizinho Tibet, é respeitado, mas os butaneses acreditam em seus próprios budas reencarnados.
Isolado do mundo durante séculos, o Butão pôde se apegar às suas crenças de uma maneira única, preservando cerimônias repetidas desde a era medieval. 

‘Ninho do Tigre’ é um oásis de paz e silêncio
Se fosse necessário escolher apenas um passeio a ser feito no Butão, os butaneses não vacilariam em aconselhar: o monastério de Taktsang, mais conhecido como o “Ninho do Tigre”, símbolo maior do budismo no reino, pendurado num penhasco a mais de 3.000 m de altura. Chegar perto do céu dá trabalho – a subida íngreme não dura menos de três horas, a partir do vale de Paro –, mas o esforço é recompensado à primeira visão do santuário que flutua entre as nuvens.
Alguns enfrentam a trilha a cavalo, mas a maioria das pessoas (das mais diferentes idades e nacionalidades) prefere fazer a caminhada a pé, como os monges fazem desde 1692, quando o complexo foi fundado. Os butaneses acreditam que foi ali, nas cavernas do pico, que o Guru Rinpoche (Padmasambhava), pai do budismo no país, meditou durante três anos, três meses, três dias e três horas, no século VIII. Diz a lenda que ele chegou ao topo no lombo de um tigre voador. O templo foi erguido em torno das grutas e ficou fechado ao público durante séculos. Só os religiosos poderiam rezar no isolamento da montanha.
O monastério foi destruído pelo fogo duas vezes. A construção atual é uma réplica, o que não diminui o impacto da visita. 
 
QUEM LEVA
Visto: Butão exige visto de turistas de todas as nacionalidades, com exceção de indianos e bengaleses. As operadoras locais ou parceiras internacionais coordenam a emissão, que custa US$ 40.
Operadora: Queensberry
Informações: VTours (31) 3293-5570
Roteiro: Nepal e Butão
Saídas: De setembro a outubro (quintas, sextas, domingos e terças)
Preço: De US$ 4.669 a US$ 13.195 ( parte terrestre) por pessoa
Pacote: Nove dias, com hospedagem (café da manhã), traslados, seguro e aéreo de Nepal a Butão. A partir do Brasil, preço do aéreo sob consulta
Fonte:http://www.otempo.com.br/pampulha/turismo/religiao-norteia-de-politica-a-cotidiano-1.867511

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