BRASIL PARA SER COMO A CÓREIA EM EDUCAÇÃO,PRECISA ATACAR 4 PONTOS

Alunas em Sobral, no Ceará

 

4 pontos para o Brasil precisa atacar para ser como a Coreia em educação

 

O Brasil não precisa apenas melhorar a educação básica - precisa dar um salto, a fim de alcançar países como a Coreia e o Canadá.

 
 Desde meados da década de 90, o senador Cristovam Buarque tem pautado sua atuação política pelos temas que cercam a educação. Virou sua marca. Mas suas propostas são polêmicas entre especialistas da área e sua gestão como ministro da Educação só durou um ano porque o ex-presidente Lula o considerava grande formulador, mas executor sofrível.
 
Isso não enfraquece uma avaliação que ele não cansa de fazer: “O Brasil não tem ambição em educação”. Para ele, o país se contenta em apenas melhorar, quando o necessário seria dar um salto — para alcançar o nível de nações como Coreia, Canadá eAustrália.
A egípcia Mona Mourshed, especialista em educação da consultoria McKinsey, montou uma escala que divide os países em graus de ascensão na educação: do nível fraco para o médio, do médio para o bom, do bom para o ótimo e do ótimo para o excelente. O Brasil está no primeiro degrau da trajetória.
Como chegar ao topo? EXAME entrevistou 50 especialistas para entender os pontos mais determinantes para desenvolver um ensino de padrão internacional. Há soluções que já funcionam em cidades como Sobral, no Ceará, e Rio de Janeiro ou em estados como Pernambuco, São Paulo e Minas Gerais.
“O desafio agora é dar escala nacional a essas boas práticas”, diz Andreas Schleicher, vice-presidente de educação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. A seguir, quatro pontos que o país precisa desenvolver.
O professor precisa ter valor
Há poucos consensos nas discussões sobre educação. Mas economistas, pedagogos, gestores públicos e sindicalistas concordam que o elemento mais determinante para a melhoria da qualidade desse serviço é o professor.
“Assim como o médico é quem faz o sistema de saúde, o professor é central para o ensino”, diz Paula Louzano, professora de educação na Universidade de São Paulo, com mestrado na Universidade Stanford e doutorado em Harvard. “A diferença é que a docência virou um subemprego, e a medicina, não.”
Pudera. A média salarial de um professor do ensino fundamental no Brasil, pelo último dado disponível, de 2010, era apenas 1 400 reais. Assim, quem vai querer ser professor do fundamental? Uma pesquisa da consultoria McKinsey mostra que, no Brasil, pouca gente quer. Os jovens acham mais atraen­te trabalhar como mecânico, secretária ou na construção civil do que entrar em classe para ensinar.
Com essa reputação, não é de espantar que as vagas menos disputadas do vestibular daUniversidade de São Paulo sejam as licenciaturas em matemática e física — justamente as disciplinas mais carentes de professores com formação adequada. O desinteresse pela profissão é um fenômeno mundial e ocorre há mais de 50 anos.
 
 
Até meados do século passado, a maioria das mulheres que podiam estudar estava fadada a trabalhar no magistério. Como o mercado de trabalho passou a absorver mais mulheres em diversas atividades, dar aulas se tornou menos interessante para as novas gerações.
“O jeito agora é valorizar a profissão”, diz Barbara Bruns, economista-chefe para educação do Banco Mundial. A Finlândia foi o primeiro país a entender a tendência e levantou o nível dos cursos de formação. Nos anos 80, fechou as piores faculdades e criou padrões para a profissão de professor. Hoje, o magistério é uma das opções mais concorridas do país.
O Brasil, além de não atrair as melhores cabeças, capacita mal as que atrai. Quando os estudantes entram no curso de licenciatura, deparam com um currículo defasado que menospreza as atividades práticas, concentrando-se na abordagem teórica.
Para ficar na analogia com a medicina: “É como se um médico saísse da universidade sabendo anatomia e fisiologia, mas sem estudar como se faz o diagnóstico e como tratar as doenças”, afirma Bernardete Gatti, especialista em formação de professores da Fundação Carlos Chagas. “O Conselho Nacional de Educação e o ministério deveriam rever as diretrizes das licenciaturas e propor novos padrões.”
É o que o Chile está fazendo. No ano passado, criou parâmetros nacionais e um exame de avaliação da qualidade do professor que está saindo da universidade. O que se verificou: 60% têm conhecimento pedagógico insuficiente. “Estamos começando a distinguir os melhores professores dos outros, e isso é parte de uma política educacional consistente”, diz Cristián Cox, diretor do Centro de Estudos de Políticas e Práticas em Educação da Universidade Católica do Chile­.
Em 2010, o governo chileno também passou a dar bolsas de estudo aos estudantes que tiram notas altas no vestibular e decidem ingressar em cursos relacionados a educação — lá, todas as faculdades são pagas. Um em cada quatro alunos que entraram no curso de licenciatura em 2012 foi beneficiado.
Canadá, Austrália e Polônia, três referências em educação pública, também têm níveis de proficiência nacionais para a carreira de professor, com instruções claras sobre o que se espera dele em cada uma das faixas de salário. Na Polônia, a reforma da carreira foi o principal fator que fez o país subir nos exames internacionais de qualidade da educação.
Na Austrália, houve mudanças recentes, que dividiram a carreira do professor em vários níveis. Em Ontário, no Canadá, a qualidade dos professores é medida por um órgão governamental chamado College­ of Teachers, que oferece aos docentes cerca de 400 cursos diferentes de qualificação.
O estado de São Paulo tem, desde 2010, oito faixas salariais para os professores — eles avançam ao ser aprovados em exames ou em cursos de qualificação. É possível incrementar 10% o salário a cada três anos, além dos aumentos que todo mundo recebe. Assim, foi introduzida a meritocracia na progressão da carreira.
Meritocracia, como se sabe, é tabu nos sindicatos. Mas o governo paulista foi hábil na negociação: convidou os seis sindicatos da área para discutir os termos da nova progressão salarial. “A ação proativa reduziu a resistência”, diz Herman Voorwald, secretário de Educação do estado de São Paulo.
No Rio de Janeiro, não é possível dizer o mesmo. A cidade está em polvorosa com protestos de professores municipais e estaduais desde agosto (até o fechamento desta edição, em 21 de outubro, o impasse continuava). Uma das reivindicações é que os professores não sejam divididos em carreiras com salários diferentes.
Cerca de 7% da rede municipal já ganha mais de 4 000 reais para trabalhar 40 horas semanais. A ideia da prefeitura é progressivamente levar todos para esse regime. O sindicato não aceita: o plano de carreira tem de ser igual para todos. Os sindicalistas também se opõem a bônus salariais com base no resultado dos alunos em provas.
Minas Gerais tem o melhor desempenho do Brasil na educação fundamental e foi um dos primeiros a implantar a política de bonificação. Pernambuco também dá 14º salário aos professores de escolas que batem suas metas. Onde o tabu é quebrado, os resultados aparecem.
Criar um padrão nacional de ensino
A adoção de um currículo que determine o que o aluno de qualquer parte do país precisa aprender em cada período letivo pode ser um atalho para elevar a qualidade do ensino em pouco tempo. “Cada país acha-se num estágio de qualidade da educação e deve ter prioridades compatíveis com ele”, diz Mona Mourshed, da consultoria McKinsey.
“No caso do Brasil, que parte de um nível baixo, um guia padronizado sobre o que cada professor deve ensinar em cada disciplina pode gerar avanço mais rápido.” É o que fizeram nos últimos anos a cidade de Sobral, no Ceará, para acelerar a alfabetização, e o estado de São Paulo, para melhorar o ensino médio: criaram currículos detalhados indicando o que os professores devem ensinar em cada bimestre.
A iniciativa tornou Sobral uma ilha de excelência em alfabetização e fez de São Paulo o estado que mais avançou no ensino médio de 2005 para cá. “A criação de um currículo único foi a principal medida tomada para melhorar o aprendizado dos jovens”, diz Herman Voorwald, secretário paulista de Educação.
E como se aplica na prática um currículo padronizado? Em Sobral, os professores saem de sala um dia por mês para ser capacitados sobre os itens do mês seguinte. Isso garante a uniformização do conteúdo — o que raramente ocorre no restante do Brasil.
“Há uma bagunça curricular no país. Cada escola ensina os conteúdos a seu bel-prazer”, diz Mozart Neves Ramos, ex-secretário de Educação de Pernambuco e integrante do Conselho Nacional de Educação. “Se um aluno estuda a cada ano do fundamental em uma escola, corre o risco de ver a mesma coisa várias vezes.”
A implementação de um padrão de currículo é uma etapa importante até em países avançados. A província de Ontário, no Canadá, iniciou há 13 anos a unificação curricular, o que a manteve no topo dos rankings internacionais de qualidade da educação.
“As escolas e os professores têm liberdade para ensinar, mas têm de mirar o currículo oficial porque os conhecimentos são exigidos dos alunos nas provas anuais criadas pelo governo”, diz Michael Fullan, especialista em educação da Universidade de Toronto que assessorou por dez anos o ex-primeiro-ministro de Ontário Dalton McGuinty.
O resultado foi tão bom que os parâmetros também estão sendo adotados na pré-escola. O caso de Ontário inspirou a Austrália, que agora está implantando um currículo para todo o ­país. Em 2010, ao se ver ultrapassado no Pisa por Hong Kong, Xangai, Coreia e Singapura, o governo australiano ficou preocupado e resolveu implementar mudanças radicais, como a unificação do currículo.
A justificativa: diminuir as diferenças entre os estados. “O primeiro exame nacional mostrou uma disparidade grande demais no país”, diz Stephen Dinham, chefe do departamento de educação de professores da Universidade de Melbourne. “O currículo-padrão tenta reduzir essa diferença.”
 
 
No Brasil, a palavra currículo é outro tabu. Parte da academia pensa que um padrão nacional tolheria a criatividade e desconsideraria as peculiaridades regionais. O Ministério da Educação resiste a falar em currículo nacional. Em 2012, o ex-secretário de Educação Básica César Callegari propôs que o Conselho Nacional de Educação discutisse uma espécie de padronização do ciclo da alfabetização.




 

O próprio Callegari, hoje secretário de Educação da cidade de São Paulo, recusa-se a usar a palavra currículo, tamanha a resistência. Seja qual for o termo, já seria um avanço. Mas Romeu Caputo, que o substituiu no cargo no início deste ano, resolveu fazer uma reavaliação. “A proposta está sendo rediscutida para incluir todos os anos da educação básica”, diz Caputo. 
Por ora, o que o governo tem são diretrizes que apontam grandes áreas de conhecimento para as quais os professores devem atentar. E nada poderia ser mais vago. Até quem já esteve no ministério reconhece. “Lamento não ter tentado criar um currículo unificado quando estava lá”, diz Maria do Pilar Lacerda, ex-secretária de Educação Básica de 2007 a janeiro de 2012.
Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama decidiu implementar uma proposta de padronização dos tópicos abordados a cada ano escolar. Apenas dois estados decidiram não aderir. “Qualquer resistência à implantação de um currículo nacional é dissipada quando se mostram as evidências”, diz Maciej Jakubowski, secretário executivo do Ministério da Educação da Polônia, que aprovou seu currículo nacional em 2008, após uma série de outras reformas. É essa a expectativa do presidente Obama. E devia ser a do Brasil também.
Todos devem avançar juntos
Os alunos das escolas municipais de Sobral, no Ceará, fazem testes todo mês. Mas esses testes não geram reprovação. Ao contrário, evitam que alguns dos estudantes fiquem para trás. As respostas das provas vão parar em planilhas que os professores usam para identificar as questões que quase ninguém acerta e as matérias em que cada aluno não está indo bem.
Depois ou antes do horário de aula, os alunos recebem reforço nos temas em que vão mal. Mas não é só assim que eles são “resgatados”. Uma escola na zona rural da cidade tem três motoqueiros para ir diariamente atrás dos faltosos e conscientizar os pais de que seus filhos precisam frequentar a escola.
“O esforço tem de ser para que todos avancem juntos. A consequência de ir mal na escola é altíssima para o cidadão”, diz Andreas Schleicher, da OCDE. “Depois, fica difícil tirar a diferença.” A cidade de Xangai, na China, entendeu o recado e trabalhou para que as piores escolas se aproximassem das melhores. Para ser promovidos lá, os professores dão aula nas escolas mais distantes por alguns anos. Isso garante a essas escolas bons quadros. Xangai tem as melhores notas do exame mundial Pisa, da OCDE.
Um ponto básico para reduzir as desigualdades é o investimento em educação infantil. Muitos economistas sugerem que seja tão alto quanto o gasto com universitários. “Ir a uma boa pré-escola reduz a probabilidade de repetência e abandono em todo o ciclo educacional e impacta até na renda futura”, diz Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
A prefeitura do Rio de Janeiro está melhorando as creches e promovendo encontros com pais de comunidades carentes para mostrar o tipo de estímulo que as crianças precisam ter em casa. “É muito importante eliminar a desigualdade o mais cedo possível”, afirma Paes de Barros.
Passar o dia na escola — aprendendo
Essa é da série “todo mundo que tem educação de qualidade aplica e o Brasil não”. Em 1997, o Chile assumiu o objetivo de dar a todos os alunos o direito à educação integral dos 6 aos 17 anos. Hoje, 90% dos estudantes chilenos estão no regime. Reino Unido, Canadá, Austrália e Holanda têm leis parecidas.
O Brasil ainda está no estágio em que a maioria das escolas públicas funciona em dois ou até três turnos. Mudar a situação requer professores para ficar o dia todo com os alunos e infraestrutura adequada. Isso significa não só ter mais salas de aula mas também laboratórios, bibliotecas e computadores.
Um estado que avançou nesse sentido é Pernambuco. Suas escolas integrais ou semi-integrais já representam metade da rede pública do ensino médio. A meta para 2014 é alcançar 80%. Nos intervalos das disciplinas regulares, os alunos têm aulas práticas de ciências e robótica e contam com opções como empreendedorismo.
Há também tempo dedicado ao nivelamento dos que chegam ao ensino médio com defasagem. Os alunos dessas escolas obtêm notas 40% superiores às do restante da rede. Uma das metas do Plano Nacional de Educação é que até 2020 pelo menos metade das escolas de educação básica no país seja de tempo integral.
Hoje, um quarto delas é — quase 50 000 unidades estaduais e municipais. O problema é o conceito de educação integral do plano: em geral, o aluno fica mais tempo na escola apenas para atividades culturais. Não há garantia de ter professor nem infraestrutura. Aula de reforço, só se houver voluntários.
“O tempo extra precisa ser usado em prioridades, como matemática e línguas, e estimular o pensamento crítico”, diz Barbara Bruns, pesquisadora do Banco Mundial. Ou seja, não basta passar mais tempo na escola — é preciso aprender enquanto estiver lá.
 
 

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