FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO : IDEOLOGIA RELIGIOSA E POLÍTICA RADICAL ?






Fundamentalismo islâmico é um termo ocidental utilizado para definir a ideologia política e religiosa fundamentalista que supostamente sustenta o Islão. De origem midiática, este termo define o Islão como, não apenas uma religião, mas um sistema que também governa os imperativos políticos, econômicos, culturais e sociais do estado, quebrando o paradigma de estados laicos, comum nesta parte do planeta.
Um objetivo crucial do fundamentalismo islâmico, definido pelo ocidente, é a tomada de controle do Estado por forma a implementar o sistema islamista, ou seja, que abriga e coordena todos os aspectos sociais de uma sociedade através da sharia islâmica.
No seguimento dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, ocorridos nos Estados Unidos o fundamentalismo islâmico e outros movimentos políticos inspirados por Bin Laden ganharam uma crescente atenção por parte dos meios de comunicação ocidentais, originando-se daí esta definição. A mídia confunde muitas vezes o termo "fundamentalismo islâmico" com outros termos relacionados ao islamismo em geral.
O termo "fundamentalista" (usuli) existe no islão há séculos[carece de fontes?], a palavra designa no sentido tradicional apenas os académicos da ilm al-usul, a ciência que se dedica ao estudo do fiqh (direito islâmico).

Controvérsia
O termo "fundamentalismo islâmico" é muitas vezes criticado. Bernard Lewis, um importante historiador do Islã, tinha a dizer contra ele:
O uso deste termo é estabelecido e deve ser aceito, mas continua a ser infeliz e pode ser enganoso. "Fundamentalista" é um termo cristão. Parece ter entrado em uso nos primeiros anos do século passado, e denota certas igrejas protestantes e organizações, mais particularmente aquelas que mantêm a origem divina e inerrância literal da Bíblia. A esta se opõem os teólogos liberais e modernistas, que tendem a uma visão mais crítica das Escrituras. Entre os teólogos muçulmanos não existe ainda nenhuma abordagem como liberal ou modernista do Alcorão, e todos os muçulmanos, em sua atitude para com o texto do Alcorão, são em princípio, pelo menos os fundamentalistas. Quando os fundamentalistas chamados muçulmanos diferem de outros muçulmanos e mesmo para fundamentalistas cristãos está em sua escolástica e seu legalismo. Eles baseiam-se não só no Alcorão, mas também sobre as tradições do Profeta, e no corpus da aprendizagem transmitida teológica e jurídica.[1]
Em 1988, a Universidade de Chicago, apoiada pela Academia Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos, lançou O Projeto Fundamentalismo, dedicado a pesquisar o fundamentalismo nas principais religiões do mundo, cristianismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo, budismo e confucionismo. E definiu o fundamentalismo como "abordagem, ou um conjunto de estratégias, pelo qual os crentes sitiados na tentativa de preservar a sua identidade distinta como um povo ou grupo ... por uma recuperação seletiva de doutrinas, crenças e práticas de um passado sagrado".[2]

História

Os movimentos fundamentalistas islâmicos desenvolveram-se durante o século XX em reação a vários acontecimentos. Depois da Primeira Guerra Mundial, a dissolução do Império Otomano e do califado de Mustafá Kemal Atatürk (fundador da Turquia), alguns muçulmanos sentiram a sua identidade religiosa ameaçada pela influência das ideias ocidentais, como consequência do domínio económico e militar dos países ocidentais. Durante a década de 1960, a ideologia predominante no mundo árabe era o Pan-arabismo que punha menor ênfase na religião e se empenhava na criação de um estado secular socialista, inspirado mais no nacionalismo árabe que no Islão. Uma das figuras de proa desta ideologia foi o sírio Michel Aflaq, o fundador do partido Baath, que estudou na Sorbonne nos anos 30, tempos das lutas ideologicas na Europa. Ficou fascinado pelo regime Nazi, o pangermanismo de Adolf Hitler. Ele cunhou como poucos a ideologia do Pan-arabismo, que pretende a união dos países de língua árabe sob um comando único.
Vários governos baseados no nacionalismo árabe debateram-se muitas vezes com problemas de estagnação económica e conflitos sociais. Alguns muçulmanos culpam os males das suas sociedades no influxo de ideias "estrangeiras". Um regresso aos princípios do Islão é percepcionado por eles como a cura natural. Um tema islamista persistente é que os muçulmanos são perseguidos pelo ocidente e outros estrangeiros. Neste fundo geral, as ideias fundamentalistas desenvolveram-se em diferentes cenários.

O movimento deobandi

Na Índia, o movimento deobandi foi uma reação às ações do Reino Unido contra muçulmanos e a influência de Sayed Ahmad Khan, que era um defensor da reforma e modernização do Islão.
O movimento recebe o nome da cidade de Deoband, onde ele surgiu, tendo sido construído à volta de escolas islâmicas (sobretudo a de Darul Uloom) e ensinava uma interpretação do Islão que encoraja a subserviência da mulher, desencorajando o uso de muitas formas de tecnologia e de entertenimento, e acreditava que apenas o conhecimento "revelado" ou inspirado por Deus deveria ser seguido.
Apesar da filosofia deobandi ser puritana e desejar remover quaisquer influência não-muçulmana (i.e. hindu e ocidental) das sociedade muçulmanas, não foi particularmente violenta ou prosélita, confinando a sua actividade sobretudo no estabelecimento de madraçais, escolas religiosas muçulmanas. Estas escolas chegam agora às dezenas de milhar por toda a Ásia, sobretudo no Paquistão e Índia, e permanecem o centro do movimento deobandi. Elas são um dos grandes componentes do Islão na região (os seguidores de Sayed Ahmad Khan são uma minoria que no entanto é relevante dentro deste grupo). O movimento Taliban no Afeganistão é um produto da filosofia deobandi e dos madraçais.

 Sayed Abul ala Mawdudi

Sayed Abul Ala Mawdudi foi uma figura importante nos princípios do século XX na Índia, e depois da Independência da Índia, no Paquistão.
Fortemente influenciado pela ideologia deobandi, ele defendia a criação de um estado islâmico que aplicasse a charia, (a lei islâmica), como interpretada pelos conselhos Shura. Mawdudi fundou a Jamaat-e-Islami em 1941 e foi o seu líder até à sua morte em 1972. O seu livro muito influente, Para melhor compreender o Islão (Risalah Diniyat em árabe), teorizava o Islão no contexto moderno e permitiu não apenas aos conservadores ulema mas também modernizadores liberais tais como Al-Faruqi, cujo livro "Islamização do Conhecimento" completava alguns dos princípios fundamentais de Mawdudi, entre os quais a compatibilidade básica do islão com uma visão ética científica. Citando da própria obra de Mawdudi:
Tudo no Universo é Muçulmano pois tudo obedece a Deus pela submissão às suas leis... Em toda a sua vida, desde o estado embriónico até à dissolução do corpo após a morte, cada tecido dos seus músculos e cada membro do seu corpo segue o curso prescrito pelas leis de Deus. A sua língua, que pela sua ignorância defenda a negação de Deus ou professe divindades múltiplas, é na sua própria natureza "Muçulmana"... Aquele que negar Deus é um Kafir ("escondedor") porque ele esconde pela sua descrença o que é inerente à sua natureza e embalsamado na sua alma. Todo o seu corpo funciona em obediência a esse instinto... A realidade torna-se-lhe alienada e ele tateia na escuridão.
Inerente a esta visão está uma total intolerância pelos costumes não-muçulmanos.

A Irmandade Muçulmana

As ideias de Mawdudi influenciaram fortemente Sayyid Qutb no Egipto. Qutb foi um dos principais filósofos do movimento da Sociedade de irmãos muçulmanos, que começou no Egipto em 1928 e que foi banido (mas que continua a existir ilegalmente) após confrontações com o presidente Egípcio Gamal Abdel Nasser, que mandou executar Qutb e muitos outros. A irmandade muçulmana (fundada por Hassan al-Banna) defendia um regresso à charia por causa daquilo que era por eles percebido como a incapacidade de os valores ocidentais assegurarem a harmonia e a felicidade dos muçulmanos.
Partindo do pressuposto que apenas a providência divina poderia levar os humanos a serem felizes, concluiu-se que os Muçulmanos deveriam evitar a democracia e viver de acordo com a doutrina por Deus inspirada (charia). A Irmandade foi um dos primeiros grupos a invocar a jihad contra todos aqueles que não fossem seguidores do Islão. Nas palavras de al-Banna: "Terras muçulmanas foram atropeladas e a sua honra manchada. Adversários seus tomam conta dos seus negócios e os ritos das suas religiões deixaram de se estender apenas aos seus próprios domínios, para não falar da sua impotência em espalhar as convocações (abraçar o Islão). Deste modo, tornou-se uma obrigação individual, à qual não há escapatória, de cada Muçulmano preparar o seu equipamento, decidir-se a participar na jihad, e preparar-se para ela até que a oportunidade seja oportuna e Deus decrete uma matéria que é certo que será completada..."

Movimentos da Jihad Islâmica

Esta exortação foi seguida pela organização egípcia Jihad Islâmica Egípcia, responsável pelo assassinato de Anwar Sadat, mas com uma peculiaridade: a Jihad Islâmica focou os seus esforços em líderes "apóstatas" (seculares) de estados islâmicos, aqueles que foram seculares e introduziram ideias ocidentais às sociedades islâmicas. As suas visões ficaram patentes num panfleto escrito por "Muhammad Abd al-Salaam Farag", que disse: "...não há dúvida de que o primeiro campo de batalha para a jihad é o extermínio destes líderes infieis e a sua substituição por uma completa ordem islâmica..."
Um outro movimento da Jihad islâmica surgiu na Palestina como um desdobramento do grupo egípcio, e iniciou actividade militar contra o Estado de Israel.

 Wahhabismo

Outro ramo influente do pensamento islamista veio do movimento wahhabita na Arábia Saudita. O movimento Wahhabita (termo ocidental midiático) surgiu no século XVIII baseado fundamentalmente no monoteísmo do Alcorão e da sunnah, resgatado por Muhammad ibn Abd al-Wahhab. Neste resgate, levantou-se a questão que seria necessário viver de acordo com os ditames estrictos do islão, que eles interpretavam como a vida de acordo com os ensinamentos do profeta Maomé e os seus seguidores durante o século 7 em Medina. Consequentemente, eles opunham-se a muitas inovações desenvolvidas desde esse tempo, incluindo o minarete, orações perante a sepulturas de seus antepassados, considerando atos de idolatria, e mais tarde televisões e rádios. Muhammad ibn Abd al-Wahhab, também nesse resgate, considerarou que aqueles Muçulmanos que violam as interpretações da sunnah e do Alcorão são heréticos, e que estes deveriam sofrer punições.
Quando o rei Abdul Aziz al-Saud fundou a Arábia Saudita, ele trouxe consigo os resgates que Muhammad ibn Abd al-Wahhab realizou para o poder. Com o crescer da proeminência Saudita, este movimento espalhou-se, em especial após o Embargo ao petróleo de 1973 e o consequente acréscimo da riqueza da Arábia Saudita.

Fundamentalismo islâmico moderno

O fundamentalismo islâmico conheceu vários desenvolvimentos políticos e filosóficos na parte inicial do século XX, mas não foi até aos anos da década de 1980 que ganhou destaque na arena internacional.
A revolução de Khomeni no Irão, apesar do seu carácter xiita, ofereceu uma inspiração a muitos radicais islamistas e serviu como um exemplo de como um estado islâmico é estabelecido.
Durante o conflito com a União Soviética, no Afeganistão, muitos islamistas juntaram-se para combater aquilo que eles viam como uma força invasora ateísta. Esta confluência resultou nas muitas alianças que foram feitas entre grupos de ideologias semelhantes. Entre as ocorrências dignas de nota, Osama bin Laden, um saudita influenciado pelo wahhabismo e pelos escritos de Sayed Qutb, juntou forças com a Jihad Islâmica Egípcia sob a influência de Ayman al-Zawahiri para formar aquilo que hoje se chama de Al-Qaeda.
Na sequência dessa luta contra a União Soviética surgiu o movimento deobandi Taliban, o qual bin Laden ajudou a influenciar para tomar direcções mais radicais, após a sua chegada ao Afeganistão de 1996.
Fundamentalistas islâmicos também estão activos na Argelia, nos territórios palestinianos, Sudão e Nigéria.
Muita da atividade fundamentalista islâmica tem sido dirigida contra governos de sociedades muçulmanas aos quais os fundamentalistas se opõem porque eles são governos que se regem pela lei humana e não pela lei divina.
Um esforço considerável foi dirigido também ao combate de alvos ocidentais, especialmente os Estados Unidos. Os EUA em particular são um alvo da ira dos Fundamentalistas islâmicos pelo seu apoio ao Estado de Israel e o seu apoio a regimes aos quais os fundamentalistas se opõem. Adicionalmente, alguns fundamentalistas concentraram a sua actividade contra Israel e quase todos os vêem Israel com hostilidade. Osama bin Laden, pelo menos, acreditava que isto era uma necessidade devido ao conflito histórico entre Muçulmanos e Judeus e considerava que existia uma aliança judaico-americana contra o islão.
Há algum debate quanto à questão de saber em que medida os movimentos fundamentalistas islâmicos permanecem influentes. Alguns académicos afirmam que o fundamentalismo islâmico é o movimento de uma minoria, que está a diminuindo, como se pode ver na falha clara de governos fundamentalistas islâmicos como no Sudão, o regime saudita wahhabista, e os taliban, em melhorar a qualidade de vida dos muçulmanos.
Outros, no entanto, (por exemplo Ahmed Rashid) acham que os fundamentalistas ainda recebem apoio popular considerável, citando o fato de que candidatos fundamentalistas no Paquistão e Egito regularmente obtêm entre 10 e 30 por cento de sondagens eleitorais (as quais muitos acham que sejam manipuladas contra eles).

Movimentos fundamentalistas islâmicos

 Ver também

 Notas

  1. Bernard Lewis, The Political Language of Islam (Chicago: University of Chicago Press, 1988), p.117, n.3.
  2. Martin E. Marty and R. Scott Appleby, "Introduction," in Martin and Appleby, eds., Fundamentalisms and the State (Chicago: University of Chicago Press, 1993), p. 3.

 Bibliografia

  • Para Compreender o Islã, Frithjof Schuon, Editora Record/Nova Era, 2006.
  • Homens de um Livro Só: Fundamentalismo no Islã, no Cristianismo e no pensamento moderno, Mateus Soares de Azevedo , Editora Best Seller, 2008.
  • Iniciação ao Islã e Sufismo, Mateus Soares de Azevedo, Editora Record, 2001.
  • Children of Abraham: An Introduction to Islam for Jews, Khalid Duran with Abdelwahab Hechiche, The American Jewish Committee and Ktav, 2001
  • The Islamism Debate, Martin Kramer, University Press, 1997
  • Liberal Islam: A Sourcebook, Charles Kurzman, Oxford University Press, 1998
  • The Vanguard of the Islamic Revolution: The Jama'at-i Islami of Pakistan, Vali Nasr, Univ. of California Press, 1994
  • The Failure of Political Islam, Olivier Roy, Harvard Univ. Press, 1994
  • The Challenge of Fundamentalism: Political Islam and the New World Disorder, Bassam Tibi, Univ. of California Press, 1998

Ligações externas


Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Fundamentalismo_islamico


A Política do Fundamentalismo
O fundamentalismo islâmico (*)  
Introdução
A palavra “fundamentalismo” passou nos últimos anos a estar presente na mídia mundial quase sempre com uma conotação assustadora. E não é para menos. Os militantes fundamentalistas estiveram por detrás da maioria dos atos de violência cometidos nas mais variadas situações geográficas. Acostumamo-nos a identificá-lo, o fundamentalismo, aos religiosos do Oriente Médio, particularmente aos imãs islâmicos, aos chefes e chefetes espirituais de países daquela região que sempre aparecem com seus trajes tradicionais, encimados por turbantes, lançando ameaças ao mundo moderno e aos americanos em geral.

Na verdade o fundamentalismo é um movimento socio-religioso e político muito diversificado e bem mais extenso do que as fronteiras do Islã. Paradoxalmente é nos Estados Unidos de hoje que encontramos o maior contingente de fundamentalistas, só que cristãos. O que se segue abaixo é uma síntese deste poderoso movimento, onde procura-se identificar os tipos de fundamentalismo bem como seus objetivos.

O fundamentalismo islâmico, que de fato nunca deixou de existir, ascendeu no cenário político do Oriente Médio a partir da Revolução Xiita no Irã, em 1979. O Movimento dos aiatolás foi visto como uma grande mobilização das energias islâmicas adormecidas pela presença da modernidade.

A sua repentina aparição deveu-se em grande parte pelo fracasso político dos estados seculares árabes em dar um combate eficiente ao Estado de Israel - visto como o grande inimigo político e teológico - e retirar seus países da situação de imobilismo econômico. Da mesma forma que os fundamentalistas cristãos, os islâmicos consideram como sua política básica o retorno às leis corânicas, ao espírito da leis das Sagradas Escrituras do profeta Maomé. Os costumes ocidentais resultam da perversão. A modernidade é o império de Satã, que utiliza instrumentos sedutores (a música, a bebida, as boas roupas, os automóveis caros, etc.) como uma maneira de envilecer a pureza dos verdadeiros muçulmanos.

Seu ideal político é a implantação de uma República Islâmica, um regime teocrático que seja a tradução literal da charia, das antigas leis corânicas inspiradas diretamente na vontade do profeta. O chefe real deste governo é Alá, sendo que os imãs e os mulás, e demais guias religiosos, apenas o representam e interpretam sua vontade. Isto os coloca em oposição a maioria dos governos do Oriente Médio que são republicas seculares, governadas por militares (Mubarak no Egito, Saddan Hussein no Iraque, Kadafi na Líbia, e Zeroual na Argélia, etc.). A hostilidade deles, dos fundamentalistas, a estes governos seculares aumenta por duas razões: por estarem abertos perigosamente ao exterior e aos costumes ocidentais (considerados demoníacos) e por manterem relações não-beligerantes com Israel (se conciliadoras, passam a ser vistos como inimigos).

No que cabe aos costumes, os fundamentalistas advogam o radical e urgente rompimento com tudo o que lhes pareça “ocidental”. As mulheres devem voltar a usar o chador ou o burka, não devem receber instrução, nem serem atendidas por médicos homens. O ensino em qualquer nível deve priorizar o religioso e as leis comuns devem acolher as regras corânicas (açoite ou lapidação para os adúlteros, execuções publicas acompanhadas de chibatadas, etc.).

Socialmente pode-se dizer que eles expressam os sentimentos dos setores mais pobres e mais desesperançados das comunidades do Oriente Médio, gente majoritariamente analfabeta que vive nos grandes suburbios afavelados, nos campos ou nos desertos e que leva uma vida dura, sem alegrias e sem confortos.

(*) evidentemente que eles não se denominam de fundamentalistas, ‘usüliyya em árabe, mas sim de mujähidün e de defensores da jihad, a guerra santa. Os seus adversários por sua vez os chamam de mutatarrifiün.

Para combater a liberdade de expressão, não reconhecida no direito islâmico, os chefes religiosos lançam mão da fatwa (uma sentença religiosa) que pode condenar a morte o infrator. O intelectual ou escritor que redigir uma novela ou algo considerado blasfemo ou herético está sujeito a ser morto por qualquer seguidor da fé. Este estará seguro de não ter cometido um crime porque ele foi feito em nome da pureza do Islã. Centenas de jornalistas, intelectuais e pensadores leigos, especialmente no Egito e na Argélia, estão com suas vidas ameaçadas devido a pena da fatwa. O caso mais exemplar é o que foi aplicado contra o escritor anglo-oriental Selman Rushdie, que tem há dez anos sua cabeça à prêmio.

Desde a queda da URSS (potência atéia) os fundamentalistas tornaram os Estados Unidos o seu principal inimigo. A super-potência americana representa tudo o que eles abominam; a liberação dos costumes, a liberdade sexual, a emancipação feminina, o culto à modernidade e a celebração da tecnologia. E, evidentemente, a pratica democratica num estado secular.

Além de serem uma ameaça permanente a peculiar cultura tradicional da região, os Estados Unidos, ao apoiar intransigentemente a política de Israel, seja ela dos Trabalhistas ou a do Likud, viram-se alvo de atentados. A presença dos seus soldados no solo sagrado do Islã, no Kuwait e na Arábia, marcante desde a Guerra do Golfo de 1991, faz com que os fundamentalistas voltem seus ataques para suas guarnições e,agora, para suas embaixadas (o ataque à embaixada americana de Nairóbi no Quênia possivelmente deveu-se a ela abrigar a maior central de informações da CIA na África).

Metaforicamente podemos entender este enfrentamento, entre os fundamentalistas e os Estados Unidos, como um conflito ente dois mundos opostos, o do Islã tradicional e do Cristianismo modernizado, mas igualmente como o choque, talvez o último do século 20, entre a modernidade e a tradição, entre a vida regrada pela tecnologia e o modo pré-tecnológico de viver. A reação dos fundamentalistas é acima de tudo o repúdio de uma cultura milenar que resiste ao processo de ocidentalização. Aliás, a única que assim ainda o faz.


Ossam bin Laden, o lutador solitário
Nestes últimos anos os Estados Unidos viu-se alvo de uma série de atentados a bomba, tanto em sua própria casa (a explosão da garagem do World Trade Center em Nova Iorque em 1993), como os que acometeram duas das suas bases na Arábia Saudita. O primeiro deles em 1995, na capital Riad (com 5 mortos), e o outro em 1996 (o de Khobar Tower matou 19 soldados americanos). Com os mais recentes ocorridos nas embaixadas de Nairóbi e Dar el Salam (243 mortos, 12 deles americanos), perfazem 5 grandes atentados. Os serviços de segurança americanos tem quase certeza que todos eles foram maquinados, e provavelmente financiados, por Ossam bin Laden, um saudita de 42 anos que encontra-se acolhido no Afeganistão.

Bin Laden é um herdeiro multimilionário. Em 1979, quando os soviéticos entraram no Afeganistão na defesa de um regime pró-comunista, Bin Laden chefiou um grupo de voluntários islâmicos patrocinados por ele para lutar contra os comunistas ateus. Por esta época acredita-se que ele contou com amplo apoio da CIA norte-americana que teria lhe dado apoio logístico e armamentos.

De volta a Arábia Saudita em 1989, Bin Laden passou a conspirar contra a monarquia sunita do Rei Fahd para implantar também ali uma república islâmica tal como os talibãs pensaram instituir no Afeganistão. Ao fracassar, Bin Laden transferiu-se para o Sudão onde um regime islâmico havia sido proclamado, lá ficando de 1991 a 1996. Com a permanência das tropas norte-americanas na Arábia Suadita - elas vieram para expulsar Saddan Hussein do Kuwait -, Bin Laden maquinou (pelos menos atribui-se a ele) dois violentos atentados para expulsá-las.

Ele não as aceitava no sagrado solo onde Maomé pisou. Pressionado pelos americanos, os sudaneses pediram que Bin Laden se retirasse. Os talibãs do Afeganistão, seus antigos camaradas de luta, o receberam de braços abertos. É onde ele hoje ele se encontra, tendo como QG uma caverna nas proximidades de Jilalabad, perto de Cabul.

Trata-se de uma revivência, nove séculos depois, do Velho da Montanha, o chefe da Seita dos Assassinos. Bin Laden parece-se mais e mais com Hassan al-Sabbah, a histórica personagem que viveu naquela região no século 11, nos tempos da Cruzadas, e que, a partir da sua fortaleza inexpugnável de Alamut na Pérsia, organizava sortidas sangrentas contra os cavaleiros cristãos e contra os islãmicos que de alguma forma conciliavam com o invasor.

Não deixa de parecer algo quixotesco a luta deste homem. Sem apoio de um estado ou de uma organização estruturada, contando apenas com seus recursos pessoais, trava uma guerra quase que solitária contra o maior império da terra.

Quadro Síntese dos Fundamentalismos
Cristãos
PaísIgrejasObjetivos
E.U.A.Batista, presbiteriana, evangélica, adventistaContra os costumes modernos. Anti-divórcio, anti-aborto. Politicamente anti-comunista e no campo da ensino são anti-evolucionistas defendendo o criacionismo


Islâmicos
PaísGrupos ou movimentosObjetivos
AfeganistãoTeleban (seminaristas islâmicos)Revogar os costumes modernos e aplicar a lei corânica em seus fundamentos. Rejeição completa ao mundo moderno
ArgéliaFIS (Frente Islâmica de Salvação) e GIA (Grupo Islâmico Armado)Luta contra o regime militar secular. Tenta impor no futuro uma republica islâmica. Organiza massacres indiscriminados contra a população aldeã, persegue jornalistas, mulheres emancipadas e assassina os estrangeiros.
EgitoIrmandade muçulmana e o Jihad IslâmicaAdvoga república muçulmana. Ataque a elementos do governo (assassinato de Anuar Sadat) e aos turistas ocidentais (58 mortos em Luxor)
LíbanoHezbollah (O partido de Deus)Luta contra a ocupação israelense do sul do Líbano, chamada Zona de Segurança. É apoiado pelo Irã.
PalestinaHamasLutam contra Israel e não aceitam o acordo firmado pela FLP de Arafat com os israelenses. Advogam a adoção das leis corânicas
IrãMovimento XiitaDerrubaram o governo pró-ocidental do Xá Reza Pahlevi em 1979, fundando a Republica Islâmica. E.U.A. foi seu principal inimigo. Rejeição da vida ocidental e volta aos costumes islâmicos

O fundamentalismo americano
Antes de tudo é necessário definir o que vem a ser fundamentalismo ou integrismo(*). Designa-se assim todo e qualquer movimento religioso, de qualquer que seja a religião, que tende a interpretar a realidade de hoje através dos olhos de antigos preceitos religiosos e que renega os valores da modernidade. Para o fundamentalista o fiel deve seguir à risca as páginas dos textos sagrados da sua religião. As Escrituras (sejam elas a Bíblia, o Talmude, o Corão, ou o Hadith dos hindús) foram traçadas por Deus, logo devem ser interpretadas como a Sua vontade. Naturalmente que os fundamentalistas não aceitam o criticismo, isto é, o movimento intelectual teológico moderno (pelo menos desde Spionza para cá) que diz que elas, as palavras sagradas, devem ser interpretadas de acordo com a época e as circunstâncias em que foram escritas e que abrigam uma enorme distância da realidade atual.

Portanto, fundamentalismo é tomar as palavras sagradas em seus fundamentos, integralmente, “retornar aos artigos fundamentais da fé” sem nenhuma alteração, sem nenhuma concessão.

O fundamentalismo americano surgiu no século passado nos Estados Unidos, na medida em que a sociedade americana passava por um acelerado processo de modernização e rápida alteração de hábitos e costumes. A expansão da modernidade, da democracia e do liberalismo, e a adoção da concepção darwiniana da natureza trouxeram um afrouxamento dos costumes religiosos e uma aceitação prazeirosa da modernidade, cultivando a civilização do conforto. As mulheres iniciaram a sua emancipação, os jovens deixavam cedo sua casa para tratar de levar uma vida independente e os divertimentos se multiplicavam.

Foi contra isto tudo que os fundamentalistas se ergueram fundando a WCFA (World’s Christian Fundamentals Association), em 1919. Os pastores das igrejas batistas, presbiterianas, episcopais e adventistas apontaram seu dedo acusador para o pecado da modernidade. Defendiam, em substituição ao Milenarismo (que, apocalíptico, predizia o fim do mundo para breve), o chamado 2º Advento de Cristo. Cristo estaria em breve entre nós. E, perguntavam eles, o que Cristo encontraria?

Os novos tempos estavam destruindo os valores mais profundos da comunidade religiosa. Corroíam as famílias, fazendo com que os fiéis abandonassem o culto semanal e adotassem modos de vida não condizentes com um verdadeiro cristão.

Era preciso retornar aos antigos costumes, aos antigos ensinamentos, apegar-se à Bíblia como a única salvação num mundo dominado pelo materialismo, pelo ateísmo e pelo descaso para com as coisas da fé. Desta forma Cristo, ao retornar, reconheceria a sua obra. Cabia pois aos pastores expulsar os vendilhões (os costumes modernos) do Templo. Os fundamentalistas passaram pois a repelir todas inovações nos costumes. Atribui-se a eles a aprovação da conhecida Lei Seca de 1920 que proibiu a bebida alcóolica nos EUA.

Depois de alguns anos em ocaso, eles voltaram revigorados devido ao cenário criado pela
guerra fria (1947-1989) graças a sua militância anti-comunista. Vários pastores fundamentalistas alcançaram espaço nos meios de comunicação para doutrinar a população americana na luta contra o “Império do Mal”. Apoiados por crentes novos ricos e por direitistas endinheirados, estes pastores fundamentalistas exerceram enorme influência no quadro eleitoral americano, muitos deles tornando-se íntimos do poder, como foi o caso de Bill Graham.

Hoje, passada a guerra fria, os fundamentalistas americanos concentram-se na luta contra o direito ao aborto (cometeram vários atentados e assassinatos contra funcionários e médicos de clínicas de aborto), contra a Emenda de Emancipação da mulher, contra os direitos do homossexuais, e a favor da introdução da reza obrigatória nas escolas públicas. As bases deles são os Institutos da Bíblia e as cadeias de rádio e de televisão do interior do país, tendo como meta a preservação do mundo caipira, que eles pretendem puro, ainda não corrompido pela besta da modernidade urbana. No campo da idéias lutam para que as escolas ensinem o criacionismo, preso à interpretação literal do Gênesis bíblico, que afirma ser a natureza um ato de criação divina e portanto intocável pelo homem. Neste campo seu inimigo é a teoria da evolução de Darwin que eles entendem como demoníaca.

Quem mais lhes deu espaço, a autodesignada Maioria Moral, foi o presidente Ronald Reagan (1981-89) que os considerava úteis na mobilização anticomunista, e também como contra a as leis liberalizantes dos seus adversários do Partido Democrata.

(*) apesar de considerar-se o integrismo com um sinônimo do fundamentalismo, eles têm origens diferentes. Se o fundamentalismo, como expressão do radicalismo protestante, difundiu-se nos EUA a partir dos anos vinte, o integrismo vem da Espanha do século 19 e hoje, seus ativistas, rejeitam as relações da Igreja Católica com o mundo moderno estabelecidas pelo Concilio Vaticano II.


O Islã e o Ocidente
 

reprodução
O historiador árabe Ibn Kaldun, falecido no começo do século XIV, acreditava que no mundo do deserto a que pertencia as dinastias governantes sofriam de uma inconstância cíclica, onde uma elite citadina, corrupta, afogada nos maus costumes do luxo, fatalmente dava lugar a uma outra, mais endurecida pela natureza e pelas contingências da vida nômade. De certa forma, o radicalismo fundamentalista não se opõe somente aos valores do Ocidente, mas igualmente expressa uma profunda desconformidade das massas miseráveis do Oriente Médio com os seus dirigentes e governantes.
A austeridade da mesquita

reprodução
Uma tocadora de cítara árabe
Entre-se numa mesquita, qualquer uma delas. O visitante tem seus olhos atraídos para o chão, raro para o alto. Ali, estendidos, encontram-se centenas de pequenos tapetes colocados lado a lado em linhas, contornando as colunas que dão sustentação ao edifício. A decoração é modestíssima, não há figuras humanas nem de animais. Talvez, com sorte, como na bela mesquita de Córdova na Espanha, encontre as paredes escritas com a bela e rebuscada caligrafia árabe, a língua escolhida por Alá, ou mesmo um desenho de uma planta ou de um arbusto qualquer. No púlpito, um Imã faz os ofícios sacerdotais, e, em harmonia com a cadência das suas palavras, os fiéis presentes às preces prostram-se várias vezes no transcorrer da cerimônia. Não existem bancos, não existem camarotes para os mais ricos, pois ali, naquele solo sagrado, todos são filhos de Alá, todos são iguais frente ao Único. Talvez seja essa a democracia possível no Islã.

reprodução
A Grande Mesquita de Damasco e a de Córdoba
A democracia das tendas
 

reprodução
A Kaaba, a pedra negra de Meca
Ibn Kaldun, o grande historiador do medievo árabe, morto em 1406, que alguns consideram o Tucídides dos mouros, encontrou porém traços de democracia nas tribos primitivas do deserto. Para ele, era justamente a pobreza absoluta, aquela dieta de tâmaras e água barrenta, que de alguma forma impedia o surgimento da tirania. Logo, não lhe pareceu ser Alá o mentor da igualdade (Kaldun foi o último pensador árabe secular), mas a miséria dos beduínos. Forçados a terem que partilhar tudo o que tinham, o que encontravam ou pilhavam, desenvolveram a asabyia, um certo senso de coletividade fraternal que aquela maneira de ser rude e frugal os condenava. Mas há também outra razão para que eles não se submetessem facilmente a um chefe. Se por acaso um déspota, um emir ou um vizir, os quisessem sob chicote, bastava montar o dromedário, com uma bolsa de água a tiracolo, e trotar para os confins do deserto.
O rústico contra o urbano
A essa gente endurecida, esses nômades "puros" que formavam a umran badaui, a comunidade rural, Ibn Kaldun opunha os da cidade. Nelas, habitava um povo molenga, dado à luxúria, ao consumo de licores, um sedentário amante das almofadas, do tabaco e do haxixe. Formavam a umran hadari, o mundo urbano, quase sempre a beira da decadência, governado por tiranos ou rematados vadios, que mandavam nos outros por intermédio de favoritos. Acreditando em ciclos históricos, Kaldun afirmou que, volta e meia, os durões do deserto invadiam as cidades, dominadas pela licença, assumiam o comando, chicoteavam os corruptos e trancavam as mulheres nos lares. Era o sangue novo, engrossado pela necessidade, vindo dos fundões áridos, que explicava porque as culturas decadentes se revitalizavam.

reprodução
Uma porta entreaberta para a prece / Bacia da época dos Timuríadas
A comunidade islâmica
 

reprodução
O Corão e a arquitetura
Por mais primitivos que esses homens do deserto fossem, eles sentiam-se parte de uma enorme comunidade, a Umma, a irmandade dos muçulmanos. Estivessem eles no Cairo, em Bagdá, em Beirute, em Damasco, ou na bem afastada Andaluzia, bastava dirigir-se à mesquita, tirar as sandálias sujas de pó, que Alá estava lá dentro, aguardando, dando-lhe sombra e consolo. Quando aquele mundo do Islã, a partir dos séculos 14 e 15, começou a petrificar-se, a luz da esperança deu para esmaecer. Os seus cientistas e seus filósofos, seus astrônomos e seus pensadores sentiram-se mais e mais sufocados. A ortodoxia religiosa e sua irmã, a paralisia mental, deram para perseguir o original, o imaginativo, o criativo. Os séculos foram passando e a lua cheia do deserto configurou-se como um quarto crescente que não crescia. A grande sombra que baixou sobre eles estendeu-se do Marrocos à Indonésia.
Luzes contra Trevas

reprodução
Abu Bark, o homem das artes médicas, o Galeno dos árabes letras
Talvez fosse Napoleão, quando ocupou o Cairo em 1798, o único estadista ocidental preocupado em levar-lhes as tinturas do Iluminismo, carregando consigo pelo deserto o que de melhor a ciência da França possuía naquela época - cavalaria, infantaria, artilharia e uma centenas de sábios da academia de Paris. A fórmula do general corso era simples - canhões e cérebro. Napoleão, porém, fracassou. Desde então, todos os outros ocidentais que chegaram no Oriente Médio, de Lord Gordon ao general Rommel, só lhes trouxeram sofrimento. E quando os cobiçosos homens do petróleo da Europa e do Texas lá puseram os pés, no correr do século 20, disparando atrás de concessões, entrando nas tendas dos mandões com as mãos cheias de dinheiro, não fizeram questão de que eles imitassem suas instituições políticas liberais.
Entre a luxúria e o ascetismo

reprodução
O minbar (o púlpito da mesquita)
Os xeques, com os bolsos repletos, entregaram-se então aos prazeres da vida. Carrões, mulheres, cassinos, diamantes e rubis, aluguéis de hotéis inteiros, foram a única razão da existência deles. Tal comportamento de nababo das elites árabes endinheiradas era um insulto ao homem probo e pobre do oásis. Foi então que um rancor profundo deu para rondar e cercar as cidades do Islã. Ouvia-se lamentos em cada choça. Em cada caverna dizia-se que a hora da vingança estava para soar. Os homens do deserto, com Alá na boca e o Al Corão nas mãos, querem vir de novo assaltar a cidade.


Fonte:http://educaterra.terra.com.br/voltaire/index_especial.htm

Comentários