BAHIA : SAGA MÍSTICA E SINCRETRISMO

 



As imagens e textos de BAHIA - SAGA e MISTICISMO representam parte do conteúdo de um livro publicado na europa, em 2001, e fazem parte do acervo do Centro Português de Fotografia (CPF).





A peregrinação aos locais sagrados é um ato religioso de sacrifício, honra e louvor. É comum nas romarias, as penitências revestidas de fé e gratidão serem oferecidas em troca de graças recebidas. Em uma das grutas do santuário de Bom Jesus da Lapa, esta criança vestida de noiva, num gesto de sacrifício, expressa a fé e o estado de graça alcançados pelos seus familiares.

Rio São Francisco, 1998



“Há grutas na terra que decantam as grandezas do céu”. A de Belém é o berço do Redentor da Humanidade, a de Lurdes é o santuário de Maria. A de Bom Jesus da Lapa é um prodígio da natureza incrustada no coração do sertão baiano, um templo de misericórdia e esperança para milhares de fiéis que a visitam para cumprir sua promessas e implorar novas graças e benções.

No interior do Santuário, na gruta do Bom Jesus, os devotos diante da Pia Batismal louvam o Divino Espírito Santo.
Bom Jesus da Lapa. Rio São Francisco, 1989
De um lado do atlântico, o negro da África era tratado como boçal, vendido como mercadoria viva e traficado para o Brasil nos fétidos porões dos navios negreiros. Do outro lado do mesmo oceano, o negro - quando sobrevivente - era submetido aos trabalhos mais pesados e horrendos da história, aos açoites sem limites e a segregação. Há 500 anos carregando as cicatrizes da escravidão, o negro, ainda forte, nobre e delicado, em manifestação de fé e esperança empunha a bandeira branca do amor e da devoção, simbolizando a ternura do universo e o cuidado humano.
Santo Amaro da Purificação. Recôncavo, 2000
Os romeiros, ao tocarem as imagens dos santos que veneram, acreditam receber benções e graças por intermédio desses seres que já alcançaram a iluminação, ou que por suas virtudes são tidos como exemplos a serem seguidos. Apesar de algumas idolatrias, os devotos são conscientes de que a força não está nos santos feitos de barro, de gesso, madeira ou nos retratos, mas nas entidades por eles representadas. Esse culto é um preito de honra e testemunho de fé. E…, milagres são alcançados.
Rio São Francisco, 1999



Mística e Sincretismo,por leonardo boff (*)
Todas as coisas têm seu outro lado. Todo visível tem sua porção invisível. Captar o outro lado das coisas, surpreender o invisível dentro do visível é dar-se conta de que o visível é parte do invisível e obra da mística.

Que é mística? Ela deriva de mistério. Mistério não é o limite do conhecimento. É o ilimitado do conhecimento. Conhecer mais e mais, entrar em comunhão cada vez mais profunda com alguém ou com a realidade que nos envolve, passar de visão em visão, ir além de qualquer horizonte é fazer a experiência do mistério. Ele perpassa todas as coisas, cada pessoa e o inteiro universo.

O mistério não se apresenta aterrador, como um abismo sem fundo. Ele irrompe como vida que chama para mais vida, como voz que convida a escutar mais e mais a mensagem que vem de todos os lados, como apelo sedutor para penetrar mais e mais na direção do coração de cada coisa. O mistério nos mantém sempre na admiração até o fascínio, na surpresa até a exaltação.

Que há de mais misterioso que a pessoa amada? Que mais fascinante que o olhar de enternecimento e de amor? Que mais profundo que o olhar inocente de um recém-nascido? Que mais majestático que um céu estrelado nas noites escuras do inverno?

Mística significa, então, a capacidade de captar e de se comover diante do Mistério de todas as coisas. Não é pensar as coisas, mas sentir as coisas tão profundamente que percebemos o Mistério que elas guardam.

Mas a mística revela toda sua significação profunda, quando detectamos o elo misterioso que une e re-une, liga e re-liga todas as coisas fazendo que sejam um Todo ordenado e dinâmico. Ele é uma Fonte originária da qual todas as coisas nascem, se afirmam e se sustentam.

As religiões ousaram chamar a esse Elo e a essa Fonte de Olorum das tradições nagô, de Javé da tradição judaica, de Tao do caminho espiritual budista, de Pai e Mãe de bondade da experiência cristã ou Deus das religiões do mundo. Não importam os mil nomes que se dê a esse Mistério vivo, o que importa é sentir sua atuação e celebrar a sua presença.

Mística não é, portanto, uma doutrina sobre Deus, mas uma experiência de Deus. Mística não é pensar sobre Deus, mas sentir Deus em todo o ser. Mística não é falar sobre Deus, mas falar a Deus, entrar em comunhão com Deus e sentir-se um com Deus. Quando rezamos, falamos com Deus. Quando meditamos, Deus nos fala. Viver essa dimensão no quotidiano de nossa existência é cultivar a mística.

Ao traduzirmos essa experiência inominável, na linguagem compreensível aos outros, inventamos doutrinas, elaboramos ritos, estabelecemos comportamentos éticos. Nascem então as muitas religiões. Atrás delas e nos seus fundamentos há sempre a experiência mística de uma pessoa ou de uma comunidade espiritual. Essa mística é o ponto comum de todas as religiões. Todas elas se referem a esse Mistério inefável que não pode ser expresso adequadamente por nenhuma palavra que esteja nos dicionários humanos.

Cada religião possui sua identidade e o seu jeito próprio de dizer e celebrar a experiência mística. Mas como Deus não cabe em nenhuma cabeça, pois desborda de todas elas, podemos sempre acrescentar algo a fim de melhor captá-lo e traduzi-lo para a comunicação humana.

Por isso, todas as religiões são, por sua própria natureza, sincréticas. Elas fazem o que qualquer organismo vivo faz. Assimilam todo tipo de alimento e o transformam em vida. No caminho para Deus podemos sempre somar porque Ele é sempre mais e maior de tudo o que pudermos dizer.

Deste fato, nasce a sinfonia das religiões, todas querendo celebrar o Mistério do mundo, todas se completando, todas se propondo a alimentar a chama sagrada que arde dentro do coração das pessoas, das coisas, do universo: Deus.

(*) Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor, autor de mais de 70 livros, um dos formuladores da teologia da libertação e portador do prêmio Nobel Alternativo da Paz de 2001.


Fonte:http://mbuainain.blogspot.com.br/

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