DEIFICAÇÃO : O HOMEM BUSCANDO SER DEUS

 

«A Deificação na Teologia, Espiritualidade
e Liturgia Cristã-Oriental»


Por um Monge Contemplativo

 

1. O Plano da Santíssima Trindade

Na teologia cristã oriental, o fim último do homem é a união com Deus ou deificação, a "theosis" dos Padres, ou seja, a transformação, o estado deificado da criatura humana.[1] O desenvolvimento das lutas dogmáticas mantidas pela Igreja no correr dos séculos de sua história teve como intuito salvaguardar a possibilidade de alcançar esta plenitude de união mística: a deificação é o fim universal. “Deus se fez homem, para que o homem pudesse tornar-se deus[2]. Isto quer dizer entrar na união perfeita com Deus, na própria vida da Santíssima Trindade, tornar-se participantes da natureza divina (cf. 2Pd 1,4)”.
Deus é ao mesmo tempo transcendente e participável. Se pudéssemos encontrar-nos unidos à essência de Deus, não seríamos mais o que somos, mas seríamos também Deus por natureza. A transformação e assimilação ocorrem, portanto participando da natureza de Deus. "Deus é sempre não participado em sua essência incomunicável, e é participado naquilo que Ele nos comunica" (São Máximo o Confessor.[3]
"Deus-Trindade vive uma felicidade e bem-aventurança perfeita. Mas como, na sua clemência e no seu amor infinito, Ele deseja comunicar sua bem-aventurança, cria participantes bem-aventurados em sua glória, e daqueles que d'Ele a recebem e dela são feitos partícipes ela retorna até Ele, e nesta circunvolução perpétua consiste a vida bem-aventurada e a felicidade das criaturas”. [4]
São Máximo afirma: "Deus nos criou, produziu os seres existentes, todos eles, trazendo à existência aquilo que não existia, a fim de que nos tornássemos participantes da natureza divina, para que entrássemos na eternidade, para que pudéssemos tornar-nos semelhantes a Ele, sendo por graça deificados”. [5]
A encarnação e a deificação se correspondem e se implicam reciprocamente. Deus desce ao mundo, toma-se homem e o homem se eleva até a plenitude divina, toma-se deus. Esta união das duas naturezas, a divina e a humana, foi determinada pelo plano eterno de Deus, é o fim último para o qual foi criado o mundo.[6] E por isso, em Cristo, Deus se fez homem.
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2. A incorporação a Cristo

A causa da nossa divinização é a incorporação a Cristo,[7] Deus Encarnado. Afirmam-no claramente Santo lrineu, Santo Atanásio, Santo Hilário: "Todo corpo humano remido está no Cristo para ressuscitar, porque n'Ele a nossa carne comnasceu com Deus". E em Cristo o nosso corpo será divinizado e revivificado se tomará templo do Espírito Santo, templo santificado na terra pela Eucaristia, alimento da vida eterna e divina.
Segundo Santo Irineu, já a Encarnação tem como fim a koinonia-comunhão, adoção divina, deificação: “Deus se fez Homem, para que os homens possam divinizar-se”. Para tanto Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. “Como é que o homem poderia tornar-se deus, se Deus não se houvesse feito homem? Deus-Filho se fez aquilo que somos, para que nós viéssemos a ser aquilo que Ele é".
Santo Atanásio volta a insistir no mesmo tema: o homem já era para tal fim criado à imagem de Deus, e por isso Deus se encarnou: "O homem não deveria ser divinizado se Aquele que se encarnou não fosse o Verbo de Deus". Põe-se por isso o acento na geração divina e não tanto na remissão dos pecados. E para poder realizá-la, Cristo nos liberta previamente do pecado.
Para São Gregório Nazianzeno: "Em Jesus nós nos tornamos divinos”, [8] e ele repete o que já afirmara São Basílio: "O homem é uma criatura, mas recebeu de Deus a ordem de tomar-se deus [9].
E, São Cirilo de Alexandria prossegue: "Se Deus se tornou um homem, o homem se tornou deus". [10]
Segundo os padres orientais, com a encarnação se operou uma total revivificação da natureza assumida pelo Verbo, que torna possível a co-naturalidade do Filho de Deus com a natureza humana de seus irmãos e assenta as premissas da deificação participada para toda criatura salva. Mas para que esta vida divina, esta "medicina da imortalidade" [11] pudesse circular no corpo místico de Cristo, era necessária a ação libertadora do pecado: o amor até a morte na Cruz opera este poder de regeneração. A Paixão é, porém sempre contemplada e vista como voltada para a Ressurreição. E por isso a Igreja Bizantina celebra com alegria e triunfalmente as festas da Epifania (manifestação do Senhor), da Transfiguração [12] e da Páscoa, sublinhando a infinita majestade gloriosa do Deus-homem ressuscitado. E mesmo crucificado, o Cristo é representado como Rei.Na tradição oriental, a festa da Transfiguração é a chave para se compreender a humanidade de Cristo, "em quem habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (CI2,9), e é o fim último da humanidade.
Já antecipada em Jesus Cristo, a deificação será realizada na sua plenitude, igualmente em nós, no século futuro após a ressurreição. Todavia, já começa germinalmente aqui na terra mudando a nossa natureza corruptível e adaptando-a à união com Deus mediante a ação do Espírito Santo na alma.
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3. A ação do Espírito Santo

É o Espírito Santo[13] que opera a deificação[14] : "Nós bebemos o Cristo, dessedentados pelo Espírito [15]. "É pelo Espírito Santo que ocorre a espiritualização, o incêndio dos corações, a deificação" [16]. "É o Espírito Santo que inflama a alma sem cessar e a une a Deus" [17]. “É porque um só Deus age e habita nos espíritos individuais, que todos os cristãos se acham fraternalmente unidos em corpo místico no seio da Igreja una. Princípio ativo por natureza, o Espírito Santo, que é uma espécie de energia universal, tem uma particular natureza ígnea, que circula no cosmos e lhe dá vida. No mundo espiritual, esta Força-Fogo derrama sobre as criaturas as chamas da graça deificante. Flamejando línguas de fogo que vão pousar sobre a fronte os eleitos”, circundando-os de glória, a graça com os seus dons múltiplos sempre dada pelo Espírito Santo, doador por excelência. [18]
"O Espírito Santo derrama sobre a alma a chuva de ouro dos seus carismas e faz da criatura, como cera que se funde santificada pela sua força e graça incandescente, o reflexo vivo do esplendor do Verbo, revestindo-a da glória que não é outra coisa senão a divindade de Cristo-Deus. A alma pneumatófora é cristificada” [19]. O canal habitual, através do qual vem até nós o Espírito Santo, são os Sacramentos.
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4. Os Sacramentos

Através dos sacramentos (sobretudo a Eucaristia), a Igreja surge como o lugar dessa transformação espiritual que atesta a vida de Deus na realidade humana. O Espírito nos conduz ao Pai através de Jesus Cristo, fazendo-nos "com-corpóreos" [20] com Ele (Ef 3,6), imagem claramente eucarística. São Cirilo de Jerusalém sublinha vigorosamente este fato: os participantes na Eucaristia se tomam "com-carnais e consangüíneas" de Jesus Cristo [21]. O homem é verdadeiramente cristificado-verbificado: "O pó da terra recebe a dignidade régia, transforma-se em substância do Rei”.[22]. O pão e o vinho se transformam verdadeiramente no Corpo e no Sangue divino de Cristo na Eucaristia; da mesma forma o homem, pela ação do Espírito Santo, é feito participante da natureza deificada de Cristo. Assim, "consumindo a carne do Esposo e o seu sangue nós entramos em comunhão nupcial com Ele. [23]. E mais: “A Eucaristia transforma em Si mesma e assemelha, de tal modo que os fiéis podem ser chamados deuses, pois Deus todo inteiro os enche inteiramente”.[24]
A Eucaristia é um "fermento de imortalidade" e poder de ressurreição que se une à natureza humana, penetra-a e a transfigura. A vida espiritual é tomada de consciência sempre mais adequada da vida sacramental que nos une a Cristo e nos deifica.
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5. Nicolas Cabasilas

Nicolau Cabasilas (séc. XIV), em seu tratado Vida em Cristo [25], constrói a sua teologia tomando como base os Sacramentos. Entre as outras obras, a de Cabasilas nos parece particularmente significativa, pois ele é um leigo e insiste (L. VI, c. 1; c. 4): ao propor a deificação, está escrevendo para os leigos.
Eis o pensamento de N. Cabasilas: "O Cristo se une ao homem mediante os sacramentos, por estes nos tomamos com-corpóreos com Ele, participantes de sua vida, membros seus. É inefável o amor de Deus pelos homens, amor que o levou a amá-los tanto e a saciá-los com dons imensos. Que sinal de bondade e amor poderia ser maior?"
Privilégio incomparável, novidade inaudita! Os homens se tomam deuses e filhos de Deus, o pó da terra é elevado até a natureza divina. É uma obra que supera as outras obras de Deus vencendo-as em grandeza e beleza. A obra de Deus é sempre participação de um bem. Este é o móvel pelo qual Deus faz tudo. A obra suprema e mais bela da bondade, o extremo limite da condescendência é aquela com a qual Deus participa o máximo bem, o maior que poderia jamais conceder. Tal é precisamente a economia disposta em favor dos homens: por ela Deus não comunica simplesmente um bem qualquer, mas derrama a divindade, a riqueza de sua natureza. Deus participa sem inveja os seus bens e a comunhão de sua bem-aventurança”.
"Nós saímos da água batismal sem pecado, conformados com o Cristo. A seguir, a Crisma leva à perfeição o ser já nascido infundindo-lhe a energia do Espírito Santo. Enfim comendo o pão santíssimo e bebendo o diviníssimo cálice, comungamos da mesma carne e do mesmo sangue que o Salvador assumiu. A Eucaristia é o pão da vida. Pela Eucaristia vivemos a sua mesma vida, no século futuro seremos co-herdeiros com Ele dos mesmos bens, com Ele reinaremos no mesmo Reino, a não ser que nós mesmos fiquemos cegos e voluntariamente lancemos fora a veste real. A nossa contribuição consiste em não jogar fora a coroa que o próprio Deus preparou para nós a preço de muitas canseiras e suores" (L. 1, c. 6).
"Jesus Cristo com o lavacro nos livra da lama e nos infunde a sua forma, com a unção nos faz ativos com as energias do Espírito, à mesa dá em alimento o próprio corpo, transforma-nos inteiramente e nos muda na própria substância. O barro recebe a forma régia, torna-se o próprio corpo do Rei: é impossível pensar em alguma coisa mais feliz! Recebemos na alma não apenas um raio de luz, mas o próprio sol, de sorte que somos habitados por Ele e nos tornamos um só espírito com Ele (1 Cor 6,17), e a alma e o corpo de todas as potências se tornam espirituais, porque a alma se mistura com a alma, o corpo com o corpo, o sangue com o sangue" (L. 4, c. 1).
"Ele colocou em nossa natureza toda a sua riqueza, porque n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da divindade (CI 2,9), somos corpo de Cristo e membros seus, cada um por sua parte (lCor 12,27). Sendo Deus, Ele desce à terra, e na terra nos leva para o alto. Faz-se homem, e o homem é deificado. Mas, sobretudo naquilo que nos comunica, Ele mostra o seu amor. Grande Mistério! - diz São Paulo exaltando esta união (Ef 5,32). São estas as núpcias, tão exaltadas, nas quais o Esposo santíssimo conduz como esposa a Igreja, só por isso entre todos os mistérios somos carne de sua carne e ossos dos seus ossos. E como os membros Vivem em virtude da cabeça e do coração, da mesma forma quem me come, diz o Senhor, também ele viverá graças a mim" (Jo 6,57) (IV,3).
"Assimilados a Cristo, em virtude da Eucaristia, seremos arrebatados ao encontro d'Ele quando se manifestar na sua glória. Qual é o homem celeste, tais são também os celestiais” (ICor 15,48). Isto não vale só para a alma, mas também para o corpo: "a nossa vida está oculta com Cristo em Deus" (cf. CI3,3). Quando o Cristo aparecer, também este pó da terra mostrará a sua beleza; então aparecerá como parte do fulgor de Cristo: os justos brilharão como o sol no reino do Pai (Mt 13,43; Cl 3,3). Ele reunirá de todas as partes os seus membros, será Deus no meio dos deuses(26), belíssimo regente de um coro belíssimo. Por isso, nós, que ainda habitamos nesta tenda, suspiramos (cf. 2Cor 5,4)" (IV,8).
"E como o amor humano quando transborda e se torna mais forte arrebata os amantes e os deixa fora de si, o mesmo acontece com o amor de Deus pelos homens: esvaziou-o de Si (cf. FI 2,7). Duas características revelam o amante e o levam ao triunfo: a primeira consiste em fazer bem ao amado em tudo aquilo que é possível; a segunda, em escolher sofrer por ele e padecer coisas terríveis, se necessário. Esta última prova de amor, de longe muito superior à primeira, não podia, porém convir a Deus que é impassível. E, no entanto, não devia ficar para sempre oculto o quão imensamente Deus nos amava: por isso, para dar-nos experimentar o seu grande amor e mostrar que nos ama com amor sem limites, Deus inventa o seu aniquilamento. Encarnando-se, realiza-o e age de modo a tomar-se capaz de sofrer e padecer coisas terríveis. Assim, com tudo aquilo que sofre, Deus convence os homens de seu extraordinário amor por eles e de novo os atrai a Si. Com essas chagas conquistou os destinatários do seu amor. Na Verdade, pelos servos foi crucificado e teve o lado traspassado, essas feridas são um enfeite régio, um raio de sua glória. O que poderia igualar este amor? Que mãe seria tão carinhosa? Que pai jamais amou a tal ponto os seus filhos? Quem alguma vez concebeu amor tão louco?"
A troca do Senhor com os servos não chega apenas a este ponto, mas Ele se nos oferece inteiramente: somos templos do Deus Vivo (cf. 1Cor 3,16), estes nossos membros são membros de Cristo. Por isso, quando o Senhor se manifestar será circundado pelos seus servos bons, e no seu resplendor também eles resplandecerão. Que espetáculo! Ver uma multidão incontável de luzes celebrar uma festa solene sem igual: o redor de Deus um povo de deuses, belos cercando o Belo, familiares em tomo do seu Senhor, que não é invejoso de associar os seus servos ao seu resplendor e não considera diminuição de sua glória assumir muitos no seu Reino. Ali, aqueles que imitaram o Cristo na sua imolação hão de mostrar também nos seus corpos luminosos as cicatrizes e levar triunfalmente os sinais das chagas como títulos de glória: uma coroa de heróis em tomo do Rei que, deixando-se imolar, triunfou (Ap 5,5)" (VI,2).
"O nosso amor nasce dos pensamentos que têm como objeto o Cristo e o seu amor pelos homens. É muito conveniente conservar esses pensamentos na memória, ora meditá-los e refletir consigo mesmo, ora fazer deles delícia de discurso na conversação, de sorte que esses pensamentos se imprimam na alma e se apoderem completamente do coração. O fogo não pode agir sobre os objetos se o contato não for contínuo". 'Em minha reflexão ateou-se o fogo'" (SI 38,4) [27].
Por isso, é mister aplicar a mente a esses mistérios. Todos podem praticar a meditação, mesmo ocupando-se nas mais diversas profissões, mesmo ficando em casa. Não existe nada melhor que o Cristo e seu amor aos homens: n'Ele se acha o último limite da bondade. E a alma possuída pelos bons pensamentos fica livre dos maus. Por isso, o homem criado por Cristo deve voltar-se para Ele com todo o seu ser.
Recordação de Cristo reavivada pela contínua invocação do seu Nome. Invocá-lo com a língua, com a vontade, com os pensamentos, para aplicar o remédio a todas as faculdades com as quais pecamos, "até alcançar a máxima das alegrias, que consiste em amar a Deus por Ele mesmo" (VI,11).
"Nos santos o poder da vontade e do desejo se resolve totalmente em Deus. Eles, de uma vez para sempre, saíram de si mesmos e transferiram para Deus toda a sua vida e seu desejo. Quem se acha possuído pelo amor de Deus negligencia o corpo, a vida e até mesmo os interesses da própria alma. O que lhe resta sacrificar ainda por Ele? Que coisa maior lhe poderia dar? Tal como se lê: 'Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma!' (Mc 12,20; Dt 6,5), assim também: quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele (1Jo,4,16), e: 'Se guardares os meus mandamentos, permanecereis no meu amor' (Jo 15,10), e o amor atesta nessas almas a divina conaturalidade, atesta que são filhos de Deus" (VII, 5-6).
A espiritualidade crístico-sacramental, que teve um intérprete tão feliz em N. Cabasilas, ampliando-se nos introduz na Liturgia.
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6. A Liturgia

A liturgia [28] exprime no rito religioso a festa do Paraíso que eternamente se vive no amor, na adoração, no canto, no louvor e na glória de Deus. As celebrações da sagrada liturgia são na Igreja as janelas do céu, expressões daquele Paraíso extático que vive somente de Deus, por e para Deus, no amor de Deus, no eterno sábado que não tem ocaso.
A liturgia é a vida do céu na terra, é imagem e sombra daquilo que acontece no céu [29]: "O serviço divino é uma imagem da beleza do tempo celeste; a luz, o trono; uma imagem de inacessível glória de Deus no céu; o agradável perfume do incenso: uma Imagem do perfume da santidade os ícones da Mãe de Deus, dos Anjos e Santos: imagem do coro dos habitantes do paraíso beatificados com a visão divina, um canto terrestre; um eco do inefável canto dos louvores angélicos. [30]
O homem é o ser litúrgico, o cantor do Sanctus, é aquele que ama e prostrado adora: "Enquanto eu viver, cantarei ao Senhor" (SI 104,33).
No momento do Querubikon, cantam os fiéis: "Nós que misticamente representamos os Querubins e cantamos à vivificante Trindade o hino três vezes santo", realmente se associam à liturgia divina até se tornarem imagens dos Querubins, Então o mundo futuro se mostra muito próximo, quase presente, e o homem se torna sacerdote do universo e oferece o universo a Deus como num altar.
É na liturgia que a matéria se eleva ao nível da sua verdadeira destinação: veículo da vida divina. O pão e o vinho, fruto do trabalho do homem e fruto da terra, se tornam o Corpo e o Sangue do Senhor. O óleo atinge seu ponto culminante no óleo da Consagração e da Crisma, A água comunica o Espírito Santo no Batismo. Todo o mundo material se torna oferta espiritual ao Divino Doador. O mistério do oitavo dia parece já inaugurado e o homem se sente de fato no coração da Igreja: simultaneamente na terra e no céu.
"O culto divino celebrado na Igreja é ao mesmo tempo celebrado no Céu. Todo Ofício é duplo: aqui e no além" [31].
A liturgia insere na oração de Cristo. Nela o orante "concorre com as forças celestes para o canto incessante; ficando na terra como um Anjo leva a Deus toda criatura" (São Gregório Pálamas) [32].
A liturgia faz compreender e praticar o "ama o teu próximo como a ti mesmo!" (cf. Mt 12,31); eleva o orante das intenções particulares e individuais à oração pela humanidade, pela paz, pela Igreja, pela unção e a salvação de todos. O homem não mais está sozinho diante de Deus e compreende que todos se salvam em comunidade, que se vai para o céu em união com todos os outros.
A liturgia reaviva a aspiração aos bens divinos, eternos. Assim fala um autor contemporâneo [33] do poder transfigurante da liturgia: “Saindo da divina Liturgia, todos os homens e todas as mulheres da nossa aldeia eram Teóforos - portadores de Deus. Todos haviam recebido a comunhão: em suas veias corria o Sangue de Deus. Eram filhos de Deus, deificados. Sem dúvida, eram apenas rudes camponeses, extremamente pobres. E sabem que o são, mas ao saírem da Igreja estavam levando Deus dentro de si e caminhavam com precaução, como se caminha quando se leva algo de valor inestimável, porque se sentiam deuses - portadores de Deus”.
Quando se leva uma lâmpada ou uma vela, o rosto fica iluminado pela chama; quando se leva Deus dentro de si, Deus que é a Luz das luzes, fica-se iluminado por dentro, de modo que todo o corpo e toda a carne se transfiguram e resplandecem com a beleza da luz do Espírito divino". Os sacramentos e a liturgia levam à plenitude os seus frutos, se a alma se dispõe e purifica com a ascese.
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7. Ascese

Pela ascese [34] a alma colabora e se dispõe para receber sempre mais profundamente a ação do Espírito Santo. A ascese propõe a "via régia" que leva a Cristo Ressuscitado através da mortificação, penitência e oração, até a iluminação carismática onde a alma encontra a imagem divina. Purificação, iluminação, união transformadora segundo os diversos graus da ascensão espiritual que se aproxima sempre mais do divino.
E como a humanidade padecente do Cristo não pode ser separada de sua divindade triunfante, a purificação da ascese traz consigo o germe da glorificação futura na união com Deus. A ascese e a vida angelical na terra constituem o propósito próprio do monge. Sendo o destino da alma humana essencialmente o retorno a Deus, o monge com sua vida dá testemunho do mistério escatológico da História. Isaac de Nínive afirma que "o arrependimento é o tremor da alma diante das portas do paraíso” [35]. E São João Clímaco: "Monge é aquele que soube conservar o mesmo ardor até o fim, aquele que acrescenta sem se cansar, até o termo da vida, fogo ao fogo, ardor ao ardor, zelo ao zelo, desejo ao desejo."[36].
Para se entregar a Deus, o monge tem como objetivo a leitura da Palavra divina, a busca da vontade de Deus, a obediência ao superior, a caridade fraterna, o arrependimento dos pecados, a pobreza, o trabalho, a virgindade, a seleção dos pensamentos, o jejum, a humildade, as lágrimas. [37]
A prática constante e paciente dessas virtudes leva enfim a alma à humildade e à caridade.
A humildade abate o vício principal que é a soberba. A humildade liberta; pertence aos "pobres de espírito". Desconhecida dos pagãos, a humildade "é a mãe, a nutriz, a base e sede de todas as outras virtudes" [38], "é a toda virtuosa". O modelo da humildade é Jesus. [39]
A humildade humana é a réplica da humildade divina, da Quenose do Servo de Javé, do homem das dores, do Criador onipotente, do Rei dos reis, que se toma o servo crucificado. A humildade vence o orgulho, e egocentrismo. O humilde não faz o mundo girar em torno do próprio "eu", causa de todo pecado [40], mas se coloca em Deus e assim encontra o seu lugar exato [41]. Por isso "a santidade consiste na profundidade da humildade”. [42]
"Quando o humilde, nos sofrimentos e nas perseguições dos homens e dos demônios até o limite do suportável, diz 'glória a Deus,' e redobra a oração pelos próprios perseguidores, então ele entra no coração de Deus e tem a graça de compreender o indizível. Assim também quando, depois de ter visitado o homem, Deus se retira, isto é graça. É a pedagogia divina da desolação educativa, que serve para tornar a alma ainda mais humilde. [43] “A graça se retira, para que nós a procuremos ainda mais”. [44]. "Encontrar a Deus consiste em procurá-lo continuamente, e ver a Deus é jamais saciar-se de deseja-lo” [45].
Quando a procura de Deus é particularmente intensa e tomou posse já de toda a alma, cai o temor e ela diz: "Agora já não temo a Deus; eu O amo!" E aparece então o dom das lágrimas [46]. É a alma-Maria-Madalena, que se derrama em pranto aos pés de seu Senhor. Lágrimas de dor por tê-lo tanto ofendido no passado, lágrimas por lhe ter sido tão ingrata, lágrimas de desejo, lágrimas de alegria, lágrimas de amor. Se na ascese conventual os monges têm como propósito "a vida angelical na terra", os cristãos que vivem no século devem ter propósitos complementares: permanecer no mundo (cf.Jo 17 15-16) para instaurar o reinado de Deus no mundo (cf.Jo 17:21; Mc 16,15; At26,13) e levar o mundo transfigurado a Deus (cf. Jo 3,16-17; 6,37-52). Os dois caminhos devem conduzir ao mesmo cume, ao repouso em Deus, à alegria de Deus. Por isso, São João Crisóstomo se dirigia deste modo aos seus fiéis: "Quando Cristo ordena que o sigamos pelo caminho estreito, dirige-se a todos os homens. Por conseguinte, o monge e o secular devem alcançar os mesmos píncaros". [47]
Os leigos não pronunciam votos de castidade ou de pobreza, mas deve encontrar para eles o exato equivalente, viver o seu espírito: "Aqueles que vivem no mundo, mesmo casados, devem em tudo o mais assemelhar-se aos monges”. [48]. E continua São João Crisóstomo: "A tua casa deve ser como uma igreja; põe-te de pé no meio da noite. Durante a noite, a alma é mais pura, mais leve. E se tens filhos, acorda-os e faze com que se unam a ti numa oração comum”. [49]
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8. Oração Contínua

Além dos Sacramentos, da liturgia e da ascese, dá-se importância toda singular à oração. [50]
Se mediante a oração "o homem se houvesse apegado a Deus desde o primeiro movimento do seu ser, teria logo atingido a sua perfeição" (São Gregório Nisseno.) [51] Na oração tudo se resume: a fé, a vida, a salvação. "Nada vale tanto como a oração. Ela torna possível o que é impossível, fácil o que é difícil. É impossível que o homem que reza continue pecando" (S. João Crisóstomo) [52]. A oração é a ciência das ciências. Mediante a oração, num mundo que se caracteriza pelo esquecimento de Deus e do seu amor, o contemplativo deve chegar à contínua recordação de Deus. Os monges que O procuram vêem na oração uma liturgia Angélica. Para São Gregório Nazianzeno, "o pensamento de Deus deve ser mais habitual que a própria respiração" [53]. E para São João Crisóstomo, "a oração ou o colóquio com Deus é um bem supremo” [54]. E São João Clímaco prossegue: "Não há uma arma mais poderosa, na terra e nos céus", do que a oração; "a oração é o ato mais digno do espírito, ato que exige o esquecimento do mundo visível e do mundo invisível”. [55]
A oração é a força motriz de toda a vida espiritual, de todos os esforços humanos. É a conversação com Deus, é a relação pessoal com Deus, é a união com Deus, "é a bússola do coração das virtudes" [56]. "A oração é a mais divina de todas as virtudes" [57]. A oração é a expressão da vida do Espírito Santo em nós, é "o respirar do espírito", "o barômetro da nossa vida espiritual". A Igreja "respira com a oração" [58]. A oração é "o prelibar do Céu e o retorno ao Paraíso" [59]. "É o prelibar da bem-aventurança celeste, em que o conhecimento se faz amor, [60]. "Deus desce até a alma em oração, e o espírito emigra para Deus. [61]. Ela deve tornar-se "oração incessante", "oração pura", "oração inflamada", contínua dilatação e imersão da alma na presença do seu Senhor.
Para favorecer esta constante atitude de oração (como a respiração ou como o pulsar do coração), foi elaborado o método conhecido como “hesicasmo”. [62], que consiste em habituar-se a repetir sem cessar uma breve invocação jaculatória como, por exemplo: "Meu Deus, eu te amo!" ou "Meu faze que eu te ame”, ou "Senhor Jesus, ajudai-me" ou "Senhor Jesus, tem piedade de mim, etc, com isto se visa vencer a distração-dispersão-dissipação da alma e reuni-Ia e concentrá-la sempre mais em Deus e na recordação do amor divino por nós.
Não basta cultivar o hábito da oração, é preciso tornar-se, "ser oração viva” [63], construir-se orando e transformar o mundo num templo de adoração, em liturgia cósmica: tornar-se "louvor da glória de Deus" (cf. Ef 1,14). É o destino de amor que se faz adoração para o qual nos criou Deus.
A oração, especialmente quando intensa e incessante, é considerada uma forma eminente de amor ao próximo, é o ato de se retirar do mundo por amor a Deus e aos homens, para uma caridade que visa mais a alma do próximo que as suas necessidades materiais, conforme o exemplo de Jesus no deserto e no Jardim das Oliveiras.
Conseguir tornar-se oração contínua exige grande esforço: "Creio que não exista coisa mais penosa que a oração. Quando o homem quer mesmo orar, então é que seus inimigos, os demônios, procuram impedi-lo por todos os meios. A oração exige que se lute até o último suspiro" [64]. Mas a oração pode também atingir tal intensidade que "um só santo com suas orações é mais forte na sua luta que uma multidão de pecadores” [65].
"Devemos orar sem cessar até que ó Espírito Santo desça sobre nós” [66].
Houve quem perguntasse a um Padre do deserto: "Abba, qual a perfeição da oração?" O Abba José se pôs de pé, estendeu as mãos para o céu e os seus dedos se tornaram como dez velas acesas, Disse então: "Deves tornar-te todo fogo”. [67]
Importa orar até que se consiga rezar no próprio sono ("Eu estava dormindo, mas meu coração velava": Ct 5,2), atingindo o estado psicológico do "sono vigilante" que ao mesmo tempo é como que um despertar, pois a alma está sempre "na presença de Deus” [68]. Por isso, Isaac de Nínive dá este testemunho: "Quando o Espírito Santo estabelece sua morada numa alma, esta não pode mais cessar de orar, pois o Espírito Santo não cessa de rezar nela: quer dormindo, quer acordada, a oração nunca se separa da alma. Comendo ou bebendo, enquanto repousa ou trabalha, quando mergulhada no sono, o perfume da oração emana espontaneamente da alma. Agora já não destina mais à oração um tempo determinado, mas ora sempre. Então os atos da mente purificada se tomam vozes silenciosas que cantam em união com as potencias invisíveis, a sagrada liturgia ao Ser Supremo, ao Senhor do Universo” [69].
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9. Divino Amor ao Próximo

A oração tem como fruto o amor. E o amor ao próximo [70] será o sintoma de ter-se adquirido o verdadeiro amor a Deus, e a união com a vida de Cristo.
"Deus é chamado caridade, paz, e exorta-nos a nos transformarmos nestas virtudes que o qualificam. Estas virtudes são a medida de nossa deificação" [71]. Por isso o amor ao próximo é chamado pelos Padres "o sacramento do irmão". "O amor a Deus e o amor ao próximo são dois aspectos de um só amor total [72]. O escopo da vida cristã "não é só unir-se à Santíssima Trindade, mas exprimi-Ia e imitá-la em si mesmo [73]. Por isso, a virtude deificante é o amor a Deus ou ágape, toda bondade. Por ela é preciso desejar apenas a Deus amando e fazendo bem a todos, em particular àqueles que nos fizeram algum mal [74] e desejando, sobretudo que cheguem à salvação. Esta a Lei do Evangelho! Seremos julgados pelo mal cometido, mas, sobretudo pelo bem omitido e por não termos amado o nosso próximo (São Máximo ) [75].
“Quando alguém vê todas as pessoas como boas e quando ninguém se lhe apresenta como impuro, pode-se então dizer que é autenticamente puro de coração" (Isaac de Ninive) [76].
Tendo atingido o píncaro da caridade, "o homem não condena mais nem os pagãos nem os pecadores, olha todos os homens com olhos puros, alegra-se em todo o universo e não deseja outra coisa com todo o coração senão amar e venerar todos e cada um" (Pseudo-Macário) [77]. E novamente Isaac de Nínive: "Eis, irmão, o mandamento que te dou: que a misericórdia pese sempre mais na tua balança, até chegares a sentir em ti mesmo a misericórdia que Deus sente para com o mundo [78]. O fervor espiritual "é acompanhado de um amor imenso a Deus e um imenso fervor pelas obras de caridade" (Evágrio) [79]
E quando o amor a Deus habita no coração do homem, toma-o imagem do amor e da misericórdia de Deus. "Um irmão possuía apenas um exemplar do Evangelho, nada mais. Então o vendeu e deu o produto da venda aos famintos, acrescentando estas memoráveis palavras: 'Eu vendi o próprio livro que me diz: Vende tudo o que possuis e dá-o aos pobres!'" (Evágrio) [80]. São Paísio o Grande orava pelo discípulo que renegara a Cristo. Enquanto fazia a oração, apareceu-lhe o Senhor e disse-lhe: "Paísio, por que estás orando? Não sabes que ele Me renegou?" Mas o santo não cessava de ter compaixão e de orar pelo discípulo. E então o Senhor lhe disse: “Paísio, tu te tornaste semelhante a Mim, com teu imenso amor. [81]”.
"Um coração caritativo se inflama de amor pela criação inteira, pelos homens, pelos passarinhos do céu, pelos animais, pelos demônios, por todas as criaturas. Por isso, um homem como este não cessa nunca de orar também pelos inimigos da Verdade, por aqueles que lhe fazem mal, para serem conservados e purificados. Ora também pelos répteis, movido pela piedade infinita que desperta no coração daqueles que se assemelham a Deus" (Isaac de Nínive) [82].
"Homens como estes, mesmo que, dez vezes ao dia, se lançassem às chamas por sua caridade para com o próximo, isto não lhes pareceria suficiente" (Isaac de Nínive) [83].
O homem deste modo se torna por graça aquilo que Deus é por natureza: todo amor, porque Deus é Amor. O amor vem de Deus e leva a Deus. Deus nos amou primeiro criando-nos para nos fazer participar livremente na plenitude divina, para sermos amados e amar também.
"Quando a alma atingiu a perfeição, ela mesma se fazendo puro espírito, toma-se toda luz, amor, suavidade, alegria e misericórdia" (Pseudo- Macário ) [84].
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10. São Máximo, o Confessor

O ideal da deificação mediante a ascese, a oração, o divino amor, difundiu-se também entre o povo mediante o canal da Filocalia, ampla antologia de autores espirituais da área cristã-oriental, elaborada por Nicodemos, monge do Monte Athos, publicada em grego, em Veneza, no ano de 1782, reelaborada e publicada em eslavo em 1793. A Filocalia nas duas versões, grega e eslava, teve favorável recepção entre os cristãos orientais, e promoveu fervoroso renascimento espiritual. Eis alguns pensamentos, extraídos do Proêmio [85] de Nicodemo:
"Deus, Bem-Aventurança, perfeição que supera toda da outra perfeição, princípio criador de tudo o que é bom e belo desde toda a eternidade preestabeleceu deificar o homem. Por este motivo, propôs-lhe uma prova e o deixou entregue ao livre-arbítrio. E como prêmio da luta estabeleceu que recebesse a graça da deificação - já presente na substância do seu ser - fazendo-o tornar-se deus, radiante pelos séculos na luz pura de toda contaminação".
Mas a inveja do perverso tentador não suportou que esse plano se realizasse, e com astúcia seduziu o homem e o induziu a transgredir o preceito divino. Mas o propósito divino de deificar a natureza humana continuou de pé para toda a eternidade. O Verbo, enviado pelo Pai, tendo-se feito homem pelo Espírito Santo, assumiu a nossa natureza humana e a deificou, e depois de ter semeado em nossos corações no Batismo o Espírito Santo, como divina semente, nos deu o poder, vivendo segundo os seus vivificantes mandamentos, de obter o fruto final e de nos tomar, por graça, filhos de Deus, ser deificados, chegando ao homem perfeito: Cristo. Mas, ai de mim!, geme amargamente São João Crisóstomo, tendo recebido tal esplendor deiforme desde pequenos, no Batismo, depois em parte por ignorância e ainda mais enceguecidos pelas trevas das paixões e pelas preocupações desta vida, corremos o perigo de extinguir o Espírito de Deus. Que destruição fizeram em nós as paixões e o exagerado apego às coisas sensíveis! Existe o perigo de extinguir-se a graça e de fracassar a nossa união com Deus e sua obra deificante, à qual tendem como perfeitíssimo fim tanto a criação que nos dá o ser como também a Encarnação do Verbo Divino. Aliás, se a alma não for deificada, não é possível que o homem se santifique nem tampouco chegue à salvação.
Por conseguinte, urge a necessidade de tornar a recordação de Deus e de seu plano mais freqüente que a respiração; aceitar o convite ao banquete da Sabedoria, e chamar a todos: Venham! Embriaguem-se com uma embriaguez verdadeiramente sóbria, porque vocês encontraram o Reino de Deus, que é o doce Cristo Jesus.
Venham, a fim de que, libertados da prisão das coisas terrestres, e purificado o coração das paixões com a vigilância e a incessante oração e a invocação do Senhor Nosso Jesus Cristo, fiquem unidos em si mesmos e unidos a Deus. E assim, unidos a Ele e transformados, para que possuídos pelo amor divino sejam abundantemente deificados, e alcancem a primitiva meta de Deus, glorificando o Pai, o Filho, o Espírito Santo. A Ele toda a glória, a honra e a adoração pelos séculos dos séculos!"
A coletânea dos escritos nem sempre consegue manter-se em nível tão elevado, pois tem um caráter predominantemente ascético: como reconhecer e purificar-se das paixões, como praticar as virtudes e, sobretudo, a oração constante, a oração do coração, a oração inflamada: "Quando a alma está livre das coisas exteriores e se une à oração, esta, envolvendo-a como uma labareda, torna-a toda inflamada, como faz o fogo com o ferro: a alma é agora intangível como o ferro em brasa, ao tato exterior".
E entre os Autores que praticaram e escrevem sobre a oração pura se encontram páginas de verdadeira mística.
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11. Amor Transformador

O amor transformador se revelou já na Transfiguração de Jesus: "Na sua Transfiguração, o divino prevaleceu sobre o humano e comunicou ao corpo o resplendor próprio da glória divina" (São João Damasceno) [96].
Os místicos tiveram uma pequena amostra desse mistério: "Eu Te dou graças porque Tu, Ser divino, acima de todos os outros seres, te tomaste um só espírito como eu, sem confusão nem separação" (São Simeão o Novo Teólogo) [97].
"Tu feriste a minha alma, ó Amor, e meu coração não pode suportar as tuas chamas. Prossigo agora Te cantando" (São João Climaco). [98]
Mas essa glória só se revelará plenamente no Céu. A ressurreição será a porta que nos fará entrar definitivamente na familiaridade divina, por obra do Espírito Santo. O Espírito Santo restituirá a inocência e a santidade à alma, fará ressurgir uma carne renovada, uma carne virgem, uma carne com a sensibilidade natural sublimada, uma carne espiritualizada. O Céu será a pátria das naturezas humanas restauradas, das criaturas humanas glorificadas pelo Espírito Santo à imagem do Filho do Pai. E como o Espírito Santo é Santidade e Luz, "o resplendor fulgurante da Beleza divina" (São Basílio), na restaurada pureza da alma a tornará também pura luz, beleza e amor. "Deus é Luz e habitará naqueles que ama, e que O amam. Quem está unido à Luz, participa na luz e se torna também luz" (São Gregório Palamás) [99] . Com a inabitação da Santíssima Trindade, a alma se toma "trono de Deus, toda luz, torna-se toda face e visão voltada para Deus e se enche de luz" (Pseudo-Macário) [100].
"Tendo-se aproximado da Luz, a alma se torna luz. Tu te tomaste bela quando te aproximaste da minha Luz, aproximando-te atraíste sobre ti a participação na minha Beleza" (São Gregório Nisseno) [101].
Mas a alma se inflama, sobretudo pelo incêndio do amor: "O amor é a própria vida da natureza divina" (São Gregório Nisseno) [102].
"É o amor que aperfeiçoa a natureza humana e a faz participante por graça da natureza divina" (São Máximo) [103]. "O amor divino inflama sem cessar a alma e a une a Deus por ação do Espírito Santo" (Diádoco de Fótica) [104].
O amor nos une a Deus no seu Filho: participar na divindade do Filho quer dizer ser deificado, ser penetrado pela divindade - como o ferro em brasa é penetrado pelo calor do fogo - deixando resplandecer em nós a beleza da natureza inexprimível da Santíssima Trindade. Somos deificados pelo Espírito Santo de Amor, que nos faz semelhantes ao Filho, imagem perfeita do Pai" (São Cirilo de Alexandria) [105]. Por isso, "o que de maior acontece entre Deus e a alma é amar e ser amada" (Calisto) [106]. "A alma conhece que foi acesa porque o fogo divino a inflamou. Deus se une ao homem espiritual e corporalmente, Deus entra em união com todo o homem" (São Simeão o Novo Teólogo) [107]. "É o amor que gera o conhecimento; o amor já é conhecimento, o amor cria novamente a unidade originária do ser, o amor faz semelhante a Deus" (São Máximo). Por ele, enfim, e para todo o sempre, "os justos e os anjos resplandecerão como sóis na vida eterna, com Nosso Senhor Jesus Cristo, vendo-O sempre e sendo sempre vistos por Ele numa alegria inexaurível, louvando-O com o Pai e com o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. [108]
“Tudo se tornará luminoso, tudo penetrado pela Luz se tomará fogo... Assim como o corpo do Senhor no Monte Tabor foi glorificado, transfigurado em glória divina e em infinita luz, também os corpos de todos os santos serão glorificados e translúcidos, pois assim como de um só fogo” se acendem muitas tachas, todos os corpos dos santos membros de Cristo também deverão tomar-se como Ele” (pseudo- Macário [109].
A alma se torna assim, também, ela mesma, luz e fogo admitida à visão da Luz Trinitária.
Veremos o Deus vivo tal como Ele é, seremos amados por Ele e O amaremos. E esta visão de amor beatifica e deificante nos fará semelhantes a Ele, nos fará comungar com cada Pessoa da Santíssima Trindade. E cada Bem-Aventurado, com alma e corpo transfigurados e espiritualizados, tendo regressado ao Pai, mediante o Filho no Espírito Santo, será um espelho do imutável Amor e Luz de Deus. Os amados e amantes de Deus serão levados ao próprio coração da vida e natureza de Deus, onde Deus, Amor Trino que comunica a sua bem-aventurança inexaurível, vive e reina.
Será o Reino do Pai anunciado, prometido em herança pelo Filho e por Ele transmitido à humanidade regenerada pelo Espírito Santo. Vida e felicidade perfeita do próprio Deus, e que Deus quis dar às suas criaturas fazendo-as "filhos e filhas de Deus" (cf. Jo 10,34), vivendo para sempre a vida d'Aquele que é três vezes Santo e três vezes Bem-Aventurado.
"Irmãos, deixai que vos fale sobre o amor divino. Assim que me representei a beleza deste Amor imaculado, a sua luz brilhou em meu coração e sua doçura me arrebatou para fora de mim mesmo. Õ Amor Santo e digno de amor! Feliz aquele que te amou porque nunca mais se apaixonará por nenhuma beleza terrestre. Feliz aquele que, seduzido por teus esplendores, com eles se alegrou plenamente: este será santificado em sua alma pelo santíssimo sangue e pela água vivificante que de ti jorram; feliz quem é amado por ti, por ti instruído, por ti habitado, pois é nutrido com o alimento imortal que é Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ó Amor divino! Onde conservas tu o Cristo? Onde O escondes? Abre-nos a porta, para que possamos ver Aquele que sofreu por nós, porque somente entrevendo-O nunca mais poderemos morrer. Que Ele nos permita cair aos seus puríssimos pés, perdoe o nosso pecado, digne-se de curar nossas misérias e alimentar-nos eternamente.
Ó Santo Amor! Tu és a realização da lei, tu que me enches, me aqueces e me inflamas, tu que abraças o meu coração com imensa caridade. Tu és o mestre dos Profetas, o que desces sobre os Apóstolos, a força dos Mártires, a inspiração dos Padres e Doutores, a perfeição de todos os Santos e tu Amor preparas-me também" (São Simeão, o Novo Teólogo) . [110]
E como o amor ao próximo tem sua origem no amor de Deus, como de uma fonte, estaremos também unidos entre nós e em comunhão no único Amor que une a Santíssima Trindade. "Como o Pai me ama, assim também eu vos amo. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amei" (cf. Jo 15,8.12). "Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti" (cf. Jo 17,21). E seremos tanto mais transformados [111], tanto mais unidos, tanto mais felizes, quanto mais se é amado, seguindo a Jesus-Deus-Encarnado até morrer de amor, segundo o particular carisma que cada pessoa recebeu do Espírito Santo: o martírio, o ministério pastoral, o magistério, a oração contínua, a virgindade, as obras de misericórdia, a família, etc., vividos como breve e temporária separação antes de sermos recebidos por Deus no reino da bem-aventurança. E então "o olho verá, o ouvido ouvirá, o coração saboreará aquilo que Deus preparou para aqueles que O amam"; então os membros da família humana em todos os diversos aspectos da santidade refletirão a santidade divina no banquete de núpcias eternas de Deus com seus amigos-irmãos-esposas.
Será aquele amor "cuja paixão é violenta como o abismo; cujas centelhas são centelhas incendiárias, labaredas divinas nas" (cf. Ct 8,6), e ao mesmo tempo um amor finalmente pacificado, saciado, jubilante; amor eterno, unitivo, na intimidade da familiaridade divina.
E também a criação [112] participará então, a seu modo e em seu grau, no divino. O amor de Deus já elevou à glória o Corpo de Cristo Ressuscitado e também nos elevará a nós e a Criação: "pois as criaturas... também (esperam) participar da liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a Criação até agora geme e sente dores de parto" (cf. Rm 8,21,22).
Os novos céus e a nova terra, de longe pressentidos pelos Salmistas e os Profetas, exultarão no eterno louvor. Será o gozo, a alegria, a doxologia cósmica, torrentes de alegria, pela presença também da obra criada no divino. O mundo criado também manifestará a Deus. Nada de renovado poderá ficar fora d'Ele. Tudo então será a seu modo e em seu grau, deificado, ao ser mergulhado na luz e no Amor divino, "a fim de que Deus seja tudo em todos" (1Cor 15,28) [113]. Nós, sobretudo seremos divinizados, nós que consciente e pessoalmente estamos associados e unidos à vida de Deus na Santíssima Trindade, Fonte de Vida, Amor, Luz, Alegria, Bem-Aventurança sem fim. A Ele amor, louvor, glória, pelos séculos dos séculos.
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12. Já no Céu, com Jesus: Maria

Com Jesus Ressuscitado, o dom do amor deificante de Deus já se realizou plenamente também em Maria Santíssima [114]. A bondade, a ternura de Deus quis associar intimamente à vida de seu Filho Encarnado uma Mulher: a Toda Pura.
Remida antecipadamente pela Paixão divina do Filho, (..), em vista de sua maternidade, Maria Santíssima é a Imaculada, a Sempre virgem, a Mãe de Deus: da carne e do sangue puríssimo de Maria se formaram a carne e o sangue do Deus feito homem.
O seu "sim" pronunciado como humilde serva do Senhor, no momento da Encarnação, ela sempre o repetiu seguindo fielmente o Filho em todos os mistérios de sua vida, abrindo o coração a tesouros insondáveis de beleza e de graça. A virgem está situada no ponto culminante da santidade da Igreja, sua virgindade de amor a Deus exprime a realidade do Reino. Ela é a humilíssima, Ela é a sarça ardente, é o tálamo do Sanctus.
Na Mãe de Deus a natureza puríssima que levou em seu seio o Verbo entrou em união perfeita com a divindade. São Gregório Palamás vê em Maria a pessoa criada que une em si todas as perfeições: a realização absoluta da beleza da criação: "Desejando criar uma imagem da beleza absoluta e claramente manifestar aos anjos e aos homens o poder de sua arte, Deus fez Maria verdadeiramente toda bela. Nela reuniu as belezas parciais distribuídas pelas outras criaturas e a constituiu como ornamento comum de todos os seres visíveis e invisíveis; melhor, Ele fez de Maria uma mistura de todas as perfeições angélicas e humanas, uma beleza sublime que enfeita os dois mundos, erguendo-se da terra ao céu e superando este último". "Ela se acha no limite do criado com o incriado " [115]. Maria é a "semelhantíssima", aquela que mais se assemelha à imagem divina, ao Verbo Encarnado; e, por conseguinte, aquela que pode ser o modelo de imitação.
Depois de seu Filho divino, a Virgem Maria é a primícia, (...). Ela é a primeira pessoa humana que já realizou plenamente o fim último para o qual Deus criou o mundo. N'Ela a Igreja e todo o universo já atingiram a sua realização, que abre o caminho da deificação para as outras criaturas. Ela é o guia que precede a humanidade, e todos a seguem. Contemplando-a, a Igreja lhe canta: "Alegra-te, ó Coroa dos Dogmas" Por isso Maria Santíssima é o coração da Igreja, o seu centro místico, sua perfeição já consumada.
E como "não existe nada mais divino do que a bondade e a misericórdia" (São Gregório Nazianzeno) [116], com seu Filho divino, Maria Santíssima, que está toda em Deus, é de Deus e para Deus, tomou-se espelho e canal da bondade e misericórdia de Deus para os homens. Agora, livre dos condicionamentos temporais, Ela preside aos que vêm após Ela e lhes dá os bens eternos. É por Ela que os homens recebem a graça. . Nenhum dom é recebido pela Igreja sem a assistência da Mãe de Deus, (que preside aos destinos da Igreja e do universo).
Ela é a Tesoureira da misericórdia de Deus: a sua proteção materna, que envolvia o Menino Jesus, cobre agora a humanidade e todos os homens. Por isso, ela é invocada como baluarte e advogada dos cristãos.
E como "Orante" Maria prefigura o ministério da oração e da intercessão. Ela é a Esposa que, com o Espírito Santo, invoca: "Vem, Senhor Jesus!" (cf. Ap 22,20).
Depois de Cristo, já no céu, com seu Filho, Maria é a plena transfiguração e deificação da pessoa humana.
E, passando do plano ontológico ao simbólico, Maria, Esposa do Espírito Santo, recebeu, além disso, uma função que a faz extraordinariamente amável: Ela é o sorriso, o ícone, o rosto do amor de carinho materno de Deus. A Mãe de Deus que, amorosamente, leva nos braços o Menino Jesus, é "a Eleusa", a imagem da ternura indizível entre o divino e o humano, a imagem do amor materno de Deus a cada um e a cada uma de nós (cf. Is 49,15).
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13. Oração Litúrgica Bizantina [117]

Como a oração litúrgica é a expressão e a invocação da fé da Igreja, escutemos agora como é que reza a Liturgia Bizantina. A deificação da humanidade é o propósito da Santíssima Trindade. realizado:
a) Atraindo-nos a Deus Pai:
"Como fonte e raiz, Tu, ó Pai,
és a causa da consubstancial divindade
que reside no Filho e no Espírito Santo.
Infunde-me no coração a luz trissolar
e torna-o luminoso com a participação do teu esplendor deificante”. [118]
b) Por obra de Deus Espírito Santo:
“Luz é o Pai, Luz o Verbo, Luz do Espírito Santo
que foi enviado aos apóstolos em línguas de fogo,
e graças a eles o mundo inteiro é iluminado
para honrar a Santíssima Trindade.
O Espírito Santo é luz e vida e fonte espiritual e viva;
Espírito de sabedoria, Espírito de ciência, bom e reto,
dominador, purificador dos pecados,
Deus que diviniza;
fogo que procede do fogo,
que fala, age e distribui os dons.
Graças a Ele,
todos os Profetas e Apóstolos de Deus e os Mártires são coroados.
É fogo que se divide pela difusão dos dons” [119]
"O Espírito Santo vivifica as almas,
exalta-as na natureza;
faz resplandecer nelas a natureza una da Trindade" [120].
c) Em Deus Filho Encarnado, Jesus:
"Com Tua vinda divino-humana,
misteriosamente iluminaste o mundo
com a aurora das maravilhas”. [121]
“Tu és o Deus Uno
que te encarnaste e divinizaste a humanidade". [122]
"O Verbo não circunscrito do Pai
tornou-se circunscrito com a Encarnação
e destruiu a imagem manchada do homem,
restituiu-a à sua original beleza,
enchendo o homem de esplendor verdadeiramente divino” [123].
"Cristo, da Virgem floresceste, Deus imaterial,
da Virgem ignara de núpcias.
Glória a teu poder, Senhor!
Enquanto éramos escravos do inimigo e do pecado,
Tu te tornaste em tudo pobre como um de nós
e divinizaste o nosso barro com tua união e participação" [124].
“Preparando para seus amigos
a morada de glória para glória futura,
Cristo sobe à montanha,
elevando-os desta vida terrestre ao ser celeste”. [125]
"Hoje Ele brilha indizivelmente no alto do Tabor
e de toda a sua carne ele derrama os raios de sua divindade,
iluminando aqueles que aclamam:
Cristo se transfigura e salva todos os homens!"
"O Criador soergueu hoje da corrupção
a nossa figura corrompida por Adão.
Cristo diviniza os nossos espíritos [126]
"Neste dia, no alto do Tabor,
Cristo transformou a natureza obscurecida por Adão.
E depois de tê-la iluminado, Ele a divinizou”. [127]
"Tu te transfiguraste no Monte Tabor, ó Salvador,
manifestando a transformação que sucederá aos mortais,
quando se der tua segunda vinda na glória". [128]
“Tu purificaste com o fogo a natureza humana maculada.
Tu mostras o seu resplendor na tua carne,
tendo-te tornado mais luminoso que o sol,
à imagem da glória futura”. [129]
“Ó bom (Jesus), pregado na cruz,
Tu divinizaste a nossa natureza.
Grande é o teu poder e o teu amor pelos homens!”
Para fazer do homem um deus, ó Bom (Jesus),
Tu te fizeste mortal e foste crucificado.
Glória Ti! Ó compassivo,
nunca deixaremos de exaltar-Te!
Deus de ternura,
Tu te dignaste sofrer, na tua crucifixão,
a ignomínia da morte.
Vendo-o, tua Mãe foi ferida no coração
e gemia maternamente:
'Que maravilha é esta, ó meu Filho muito amado?'
Ó Mãe Puríssima, ela deve revelar a vida ao universo’.
Oh! A bondade infinita d'Aquele que se encarnou em Ti, Mãe de Deus.
Com efeito, Ele quis sofrer a cruz e a morte
para salvar o mundo que havia criado.
Pede-Lhe que me liberte e que me conduza
onde brilha a Luz que não conhece ocaso". [130]
“O Deus que existe antes dos séculos,
tendo misticamente divinizado a natureza humana que assumiu,
sobe hoje ao céu.
Os Anjos, prostrando-se diante d’Ele, dizem:
Glória a Deus que sobe hoje ao céu!”.
Tu que desceste dos céus à terra,
e como Deus restauraste o gênero humano humilhado pelos infernos;
com tua Ascensão, ó Cristo,
o fazes de novo subir ao céu,
e contigo sentar-se no trono do teu Pai,
porque Tu és compassivo e amigo dos homens. [131]
"Tu subiste, ó Cristo, Doador de vida,
e exaltaste o nosso gênero humano.
Tu restabeleceste a natureza humana,
caída por causa da corrupção (do pecado),
e a soergueste com a tua Ascensão,
e nos glorificaste contigo”. [132]
d) Com a presença materna de Maria Santíssima:
“Com sabedoria, ó Virgem,
o Filho teu plasmou o homem decaído
e o replasmou nascendo de Ti.
De luz divina e de resplendor sem ocaso
Ele encheu a todos nós,
que na verdadeira fé te veneramos, ó Mãe de Deus.” [133]
"Da divina natureza tornamo-nos participantes por Ti,
Mãe de Deus, sempre Virgem.
Geraste, com efeito, para nós o Deus Encarnado,
e por isso, como convém,
nós todos te celebramos piedosamente". [134]
"Ave, imaculada! Voz retumbante dos profetas:
Ave, ornamento dos Apóstolos;
Ave, tálamo ilibado do Verbo,
causa da nossa divinização!
Ó Mãe de Deus,
tu geraste na carne o Filho e o Verbo de Deus!
Por isso, nós que fomos divinizados por tua intercessão,
Te aclamamos:
Ave, esperança dos cristãos!” [135]
e) Também o mundo criado será transfigurado:
“Ó Verbo, luz imutável da luz do Pai não gerado,
na tua luz revelada vimos hoje, no Tabor,
a luz que é o Pai e a luz que é o Espírito
instruir toda a criação com a luz”. [136]
"Alegra-te, ó céu,
que conheceste agora Aquele
que faz surgir a sua luz sobre a terra.
Que a terra exulte radiosamente,
ela se ilumina de resplendor celeste e se torna luz”. [137]
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Conclusão

Vamos concluir com um trecho autobiográfico e uma oração do "Místico da luz” [138] do Oriente, São Simeão o Novo Teólogo [139]:
"És Tu, meu Deus?
Sim, Eu, o Deus que se fez homem por ti,
e eis que te fiz e te farei deus, como vês".
“E ele se deu conta que estava no centro da luz,
e todo repleto de alegria e de lágrimas.
E vê a luz unir-se de modo indescritível à sua carne,
e penetrar aos poucos os seus membros,
e transformá-lo todo em fogo e luz”.

Oração:
“Glória a Ti
que, embora estejas acima de todos,
Deus de tudo,
justamente Tu te fizeste mortal,
acessível na carne que assumiste.

Aos que têm fé
tu te fizeste conhecer na glória de tua Divindade.
Deste modo a nós teus servos,
mergulhados nas coisas deste mundo,
tu nos fazes sair de nós
e nos arrastas para Ti,
resplandecente de luz,
e de mortais nos fazer imortais,
continuando a ser o que somos,
nos tornamos teus filhos, semelhantes a Ti,
e deuses que, pela tua graça, vêem a Deus.

Tu pertences ao nosso gênero, quanto à carne,
nós somos do teu gênero pela Divindade;
pois assumindo a nossa carne,
nos deste o Teu Espírito.

Tu estás conosco, agora e para todos os séculos;
de cada um de nós fazes a tua habitação
e nós habitamos em Ti.

Nós nos tomamos teus membros,
e Tu te tornas um membro nosso.
Tu te tornas minha mão e meu pé;
de mim, miserável!
E eu sou a tua mão e teu pé!
Como é imensa a tua misericórdia, Senhor!
Tu te dignaste fazer de mim um membro do Teu Corpo,
eu que sou impuro, o pródigo.

Tu me deste uma veste brilhante,
fulgurante de esplendor imortal,
que muda em luz tudo aquilo que sou,
teu Sangue se uniu a meu sangue,
eu me uni à tua Divindade, tomando-me brilhante, santo,
transparente, luminoso.

Vejo a beleza da tua graça
e reflito a sua luz,
contemplo com espanto este resplendor inefável,
e entro em comunhão com o fogo.
Por mim mesmo não passo de palha, mas, que milagre!
Estou envolto como o foi a sarça ardente de Moisés
pelo teu Fogo que não consome.

Ó Jesus!
Todo o teu Corpo puríssimo e divino brilho
no fogo da tua Divindade,
inefavelmente unido a Ela.

E tu me concedeste, ó Senhor,
que este meu corpo se unisse ao teu santo Corpo
e agora sou Teu membro, transparente e lúcido.

Estou fora de mim pensando em mim mesmo:
como era e o que me tomei agora! Que prodígio!
Dou-te graças, Tu me fizeste viver,
Conhecer-te e adorar-te,
Meu Deus!

Tu és a alegria, a delícia e a glória
daqueles que Te amam com fervor
por todos os séculos dos séculos!"

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Notas:
  1. Cf. T. Spidlik, La spiritualità del 'oriente cristiano, O.c. na Bibl., 42-45; 299; 301.N. Eidokimov, l’ortodossia, o.c. na Bibl., 131-135.
  2. S. Irineu. Adv. Haer. Praef. PG 7,875; 7,1120; S. Atanásio, De Incam. 54, PG, 192; S. Greg. Naz. Poem. Dogm. 10,5-9; PG 37,465; S. Greg. Nis. Or. Cato 25,PG 45,65d.
  3. In Pano Dog. Eutimio, PG 130.132a.
  4. Filarete de Moscou, Sermões.
  5. Ep. 43 ad Joan. Cub. PG 91.640 BC; De ambig. PG 51,1308 B.
  6. Quaest. ad Thal. 60, PG 90.621 AB.
  7. 7. Cf. T. Spidlik, o.c., 30-38; N. Evdokirnov, L'ortodossia, o.c., 199-203.
  8. Or. 1,7,37,2.
  9. In laudem Basilii, Or. 43,3 PG 36, 632C. São Máximo dirá: o homem deve tomar-se "um deus criado", "um deus por graça".
  10. hom. in Rom. 9,3.
  11. S.In.Ant.,Ad Ephes.13;20,2.
  12. S. João Damasc. Defide orth. 18, PG 94, 1188BC; Bom. in Transf PG 96,564. Greg. Pálamas. Tom. Agior. PG 150.1232; 151,433B. CC. n. 18 do Capo lI.
  13. S. Basílio. De Spir. S. 19. PG 32,155; S. Atan. Or. 3 C. ariano 23, PG 26,373; Ep.ad Serap. 1,23 PG 26,582; S. Cirillo Alex., Dial. de Trin.. 7PG 75,1124; S. Irineu, Adv. haer. 3,24,1. PG 7,966.
  14. Cf. T. Spidlik, o.c., 25-30; N. Evdokimov, L'onodossia. o.c., 158s.
  15. S. Atanásio, Ep. ad Serap. 19, PG 26,576a.
  16. S. Basílio, De Spir. Sanc. 9,23; PG 32,109.
  17. Diádoco, Capo de perf. spir. PG 162.
  18. São Máximo Conf.
  19. Pseudo-Macário, Hom. 17,4.
  20. s. Cirilo Alex., c. Nestor. 4,4; PG 76,193; Comm. in Joan. 15,1; PG 74,331.
  21. Cato 22,3; PG 33,1100.
  22. N. Cabasilas, La vita in Cristo.
  23. Teodoreto de Ciro, PG 81,128a.
  24. S. Máximo, Mystag. 21; PG 91,697.
  25. Ed. italiana org. por U. Neri. UTET, Turim 1971: cf. p. 76s.
  26. Fórmula já proposta por S. Greg. Nazianzeno, pelo Pseudo-Dionísio, por São Máximo Confessor e pelo Ofício Bizantino da Transfiguração.
  27. Jesus veio trazer fogo à terra (Lc 12,49), batizar no Espírito Santo e no fogo (Lc3.16; Mt 3,11). Por isso, o Espírito Santo, quando veio após a Ressurreição, apareceu em forma de línguas de fogo (At 2,3). Com efeito, Ele trouxe o amor que Ousa tudo, acendeu um fogo que nada mais poderá apagar (Ct 8,7; Rm 8,35). Deus é fogo: Ex 3,2; 19,18; Dt 4,11; 5,5).
  28. cf. T. Spidlik, o.c., 138,269-270; 300; N. Evdokimov, Le età della vira spirituale.Cit. em Bibl. 224-227. L'ortodossia. o.c., 135-138; 325-326; 346-349.
  29. S. Máximo, Mystag. 8-21; PG 91,688-697. Cf. H.U. von Balthasar, Kosm.Liturgie.
  30. João de Cronsladt. em Ascètes russes, Trad. de Tzyzkiewicz-Balpaire. Ed. Du Soleillevant, Namur 1917, p. 182.
  31. V. Gheorghiu.
  32. De Passion. PG 150, 1081 AC.
  33. V. Gheorghiu, De Ia vingtcinquieme heure à l'heure étemelle, Ed. Plon, 1965. p.35.
  34. Cf. T. Spidlik, o.c 77, 155s. N. Evdokimov, Le età della vita spirituale. o.c.,173-177.
  35. Myst. 'frear. Ed. Wensinck, 338.
  36. Scala Par. 1, PG 88,634c, 644.
  37. Para uma abordagem detalhada de todos estes aspectos, cf. T. Spidlik, O.c.
  38. S. João Cris. In Acta Ap. 30,3; PG 6O,225h.
  39. S. Basilio, De Renunt. saec. 9: PG 31,645b. S. Basílio, Hom. 20 de humil. 6: PG 31,536.
  40. S. João Clím. PG 99,1626.
  41. S. João Dam. PG 94,1553ab.
  42. Isaae de Nfnive, Bom. 78.
  43. N. Evdokimov, Le età, a.c., 207-209.
  44. Pseudo-Maeário, Bom. 27: PG 34,701d.
  45. S. Greg. Niss. De Vlta Moy.. PG 44,404d.
  46. Lc 7,3&; Jo 20,15; São João Clím. Scala Par. 7: PG 88, 804ab; 816d; cf. Lot-Borodine em: Vie Spirituelle 01/09/36.
  47. hom. in Epist. ad Baebr. 7,4.
  48. hom. in Epist. ad Baebr. 7,41.
  49. hom. in Acta Ap. 26,3-4.
  50. cf. T. Spidlik, o.c., 96; 263-281; N. Evdokimov, Le età..., O.c., 216-224; L'ortodossia. o.C., 162-165; Racconti di un pellegrino russo, Ed. Cittadella 1970; J. Serr/O. Clément, La preghiera del cuore, Ed. Ancora 1984, 104-108.
  51. PG 46,373.
  52. Sobre Ana, 4.
  53. Or. 27,4; PG 36. 16b.
  54. Hom. 6 sup. Or., PG 64,462.
  55. Scala Par. 27.
  56. S. Gregório de Nissa. De lnstit. Christ. PG 46,301d.
  57. Evágrio, Tract. de Or. 150.
  58. Teófanes o Recluso.
  59. S. João Dam. Sermo de Transf 20: PG 96,576a.
  60. S. Greg. de Nissa, De anima et res. PG 46,96c.
  61. S. João Damasceno, PG 94,1039.
  62. S. João Clim., Scala Bar. 27-28; PG 88,1096-1140; Hesíquio Sin.: PG 93,14791544.
  63. Orígenes, S. Basílio PG 11,452cd; PG 31,244a.
  64. Apophr. Patr.
  65. Orígenes, Hom. in Num. 25,2.
  66. S. Serafim de Sarov.
  67. Apophr. Patro José 6.
  68. S. Gregório de Nissa, hom. il sup. Cant. PG 44,996ad.
  69. Myst. Treat. Ed. Wensinck, 174.
  70. cf T. Spidlik, o.c. 256-263; 145-150; N. Evdokimov, Le elà... o.c., 167-168.
  71. S. Greg. Naz. Cam. 1.11.9,19: PG 37,688; Or. 6,12: PG 35,737c.
  72. S. Máximo, Ep. 3: PG 91,409b.
  73. S. Máximo. Ambig. PG 91,1l96b.
  74. S. Máximo, Isaac de Nínive.
  75. PG 9O.932c.
  76. Sentenças.
  77. Hom. 8.
  78. Sentenças.
  79. Pract. lI, 57.
  80. Pract. II,97.
  81. Cit. N. Evdokirnov, L'amore folle di Dio, Ed. Paoline 1980,63.
  82. Myst. Treat. 318,341.
  83. Idem, 342.
  84. Hom. 18,10; Hom. 17,4; Hom. 1.
  85. La Filocalia. Ed, Gribaudi, I Volume, p. 45.
  86. Entre outros. cf. por ex. a Introdução de M.B. Artioli em: Filocalia, Ed. Gribaudi. Vol. 22; Carta 24 a Const.: PG 91,609; Carta 43 a João: PG 91, 640; Or. Dom. PG 90,873D.
  87. Cap. vários: 1 Cent.42; 174.
  88. Duec. Cap.; 1 Cento 51,123.
  89. Duec. Cap.; 2 Cento 25,141.
  90. Duec. Cap.; 2 Cento 9,138
  91. Duec. Cap.; 1 Cento 39,121.
  92. Cap. vários; IV Cento 33, 247.
  93. Cap. vários; IV Cento 44,250.
  94. Idem. 46, 175.
  95. Mystag. 24: PG 91, 713b.
  96. hom. in Transfig. PG 96,565.
  97. Serm. 25. Divino Amor, Liv. PG 120.509. em: Vie Spirituelle 1931, p. 202.
  98. Scala Par. 30: PG 88,1156.1160.
  99. Hom. in Praes. BVM.
  100. Hom. I; 2; PG 34.449-452.
  101. PG 44.869a.
  102. De anima et res. PG 46,96.
  103. De Ambig. PG91,1308.
  104. Disc. Asc. c. 59; Cap, de perf. spir. PG 162.
  105. Thesaur. 5; PG 75, 65-68; 189b; ibidem, 34; PG 75, 598; In Ioan. PG 74, 541.
  106. PG 147, 860ab.
  107. Sermo, 25.
  108. S. João Dam. De Fide Orth. 4,27: PG 94,1228,
  109. Hom. 5.8: PG 32.513b; 12,14: PG 32,565ab; 25,9-10: PG 32,673.
  110. Cf. Vie Spirituelle 1930, 198; 303; 638; 1931; 74. Cf. B. Krivocheine/J.Paramelle, Catécheses, Sources Chtét. 96, 233; Ed. Cerf 1963.
  111. O Espírito Santo estará presente em todos e a todos transformará e deificará segundo o grau de virtude: São Máximo, Cap. theol. ed. oecum. Cent. I, 73; PG 90, 12O9a; Q. ad Thal. 59; PG 9O,609bc; Cap. Theol. ed. oecum. Cento IV, 20; PG 9O,1312c; S. Simeão o Novo Teólogo, Disc. XXVII, em: Vie Spirituelle 1931,309; S. Gregório Pálamas, Hom. Transf. PG 151, 448b.
  112. Cf. T. Spidlik,o.c., 113; 127; M. Lot-Borodine,La dlfijication de l'homme, Cerf, Paris 1970.
  113. Cf. S. Simeão o Novo Teólogo, Disc. 27, em: Vie Spirituelle 01/06/31, p. 309;M. Lot-Borodine, o.c., em Bibliografia.
  114. Cf. Spidlik, o.c., 138; N. Evdokimov, L'ortodossia, o.C., 211.
  115. In Dormit. BVM, PG 151, 468ab; 151,472b.
  116. Or. 17.9. PG 35. 976c.
  117. Cf. Innã Maria, Preghiere nelle grandi feste bizantine, Morcelliana 1980. J. Tyciak, il mistero Del Signore nell'anno liturgico bizantino, Vita e Pensiero, Milão 1963.
  118. Do Pequeno Oktoechos, Can. do I° T.
  119. Pentecostes, Can. Ode 9.
  120. Of. Dom. Ant. 4° T.
  121. Vigil. Transf. Mat. Can. 4 Ode.
  122. Vigil. Transf. Vésperas, Apostic. 123.
  123. I Dom. Quar. Kontakion.
  124. Natal, Canon.
  125. Vigil. Transf. Can 6, Ode.
  126. Transf. Ikos.
  127. Transf. I Vésperas, Apostic.
  128. Transf. Catisma.
  129. Vigil. Transf. Can. 6 Ode.
  130. Of. Dom. d. 8 tonil; t. 8.
  131. Ascensão, Mal.
  132. Ascensão Mat. Can 3 Ode.
  133. 6° Dom. da Páscoa. Theotokion.
  134. Cf. Irmã Maria, Preghiere bizantine alla Madre di Dio. Morcelliana 1980.
  135. Cit. Irmã Maria, idem.
  136. Transf. Exapost.
  137. Vigil. Transf. Cano 9 Ode.
  138. Deus é Luz: Sb 7,26; Jo 1,9; 3,19; 8,12; 9,5; 12,35.36.46; 110 1,5. Os justos resplandecerão como o sol no Reino de Deus: Mt 17,43; 17,2; 28,3; At 9,3; 12,7; 22,6-11; 26-13; 2Cor 3,7; Et 5,8; Fl2,15; CII,l1.
  139. Cf. Vie Spirituelle, 01/06/1931, p. 3O9s e G. Bernabei, Le preghiere dei Padri, EDB 1974.
Fonte:
Capítulo IV da obra “Deificação: participantes da Natureza Divina” de um Monge Contemplativo. (Editora Vozes, Março 1995)
 

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