SOCIEDADE TARJA PRETA



Baixo preço e prescrição indiscriminada fazem do Rivotril um dos remédios mais consumidos no país
Não é de hoje a proximidade dos brasileiros com os calmantes. Na década de 60, eles entraram com tudo no mercado brasileiro e daí em diante houve a fase do Diazepam, do Lexotan e do Frontal. Mas nunca um remédio tarja preta foi consumido com tanta voracidade como o Rivotril: é o terceiro remédio mais vendido no Brasil, ficando atrás apenas do Tylenol e do Hipoglós, que não precisam de receita médica. Chamado de "gotinha da felicidade", ele acalma, relaxa e faz dormir. O remédio tem seu valor reconhecido no meio médico. O problema estaria na frequência e no tempo de uso.

"Acho que virou uma bola de neve. Os remédios dessa família sempre foram muito prescritos no Brasil. O problema é que esses remédios de ansiedade existem para ser usados num período curto porque causam uma dependência muito grande. O paciente dependente pede mais uma receita e assim vai ficando cada vez mais viciado. Hoje esse é um problema de saúde pública. Temos muitas pessoas com dependência a medicamentos", afirma Tatiana Brandão, professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para a médica, dois motivos levam ao abuso do ansiolítico. "Há um abuso na prescricão e é um remédio barato, o que facilita o acesso. Ele também é distribuído pelo SUS", aponta. O principal problema do uso abusivo do Rivotril é a dependência que o remédio pode causar. Segundo Tatiana Brandão, a abstinência pode provocar vários sintomas, como mal-estar, tonteiras, irritabilidade e nervosismo. "Mas, além da dependência física e dos efeitos da abstinência, os benzodiazepínicos também provocam uma dependência psicológica que deixa a pessoa muito aflita", diz.

É exatamente assim que se sente Maria das Graças F. Souza, 58, que já perdeu as contas de quanto tempo toma o calmante. Para a funcionária pública, ficar sem o remédio em casa é como um fumante ficar sem o cigarro ou o alcoólico ficar sem bebida. "Não tenho vergonha de falar que sou viciada. Posso nem tomar, mas, se não tiver em casa, eu entro em desespero. Por isso, compro três caixas de uma vez", conta. Mas o medicamento, comprado com receita dada pela psiquiatra do local onde trabalha, não é apenas para consumo próprio. Muitas vezes, Maria das Graças doa comprimidos para as vizinhas, as amigas do trabalho e até dentro do ônibus.

"Não conheço ninguém que não tome o Rivotril. Mas, também, com a vida que a gente leva, com tanta violência, não tem jeito de dormir, não. Tudo me afeta. Vou te contar que esse é um santo remédio. O dia em que não estou legal de manhã, eu tomo meio. Fico bem melhor, eu me sinto feliz", justifica.

Como boa parte das pessoas, Maria das Graças começou a tomar porque não conseguia dormir e, antes mesmo de procurar um médico, experimentou as cápsulas indicadas para a mãe. Há um ano, a filha, de 19 anos, também passou a consumir o medicamento. "Ela tem ansiedade e o Rivotril ajuda muito. Mas ela toma de 25 miligramas, bem mais fraco que o meu". Como o medicamento não pode ser consumido com bebidas alcoólicas, ela adotou uma técnica que diz ser "infalível" e que todo mundo faz. "De segunda a quinta, tomo o Rivotril. Quando bebo, não posso tomar. Então, tomo o Dramin. Conheço muita gente que faz assim", relata Maria das Graças.


Fonte:http://zdeneeck.blogspot.com/

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