MEIA-NOITE EM PARIS - ANTÍDOTO CONTRA A FUTILIDADE

Meia-noite em Paris

Woody Allen busca na Geração Perdida antídoto contra a futilidade


Meia-noite em Paris - pontocedecinema.blog.br
 Owen Wilson com Marion Cotillard,
 que interpreta a namorada de famosos
 como Picasso, em Meia-noite em Paris

Meia-noite em Paris, o novo Woody Allen que entra em cartaz nesta sexta-feira (17/6), é um filme de deslocamentos. A ideia que sempre temos, de que o passado é melhor que o presente, aqui é abordada à exaustão, e levada às últimas consequências, em um princípio máximo de manipulação do sonho e da realidade, em mais um conto de fadas na carreira de quase 50 filmes do cineasta norte-americano.
O roteirista de cinema hollywoodiano Gil Pendler (Owen Wilson) está em Paris acompanhado da noiva, Inez (Rachel McAdms), e dos pais dela, interpretados por Kurt Fuller e Mimi Kennedy. Para ele, a capital francesa é uma festa. Não como pensam seus pares e quase todos os que chegam aos montes para o consumo e o turismo rápido na cidade mais festejada do mundo, esplendidamente fotografada por Darius Khondji.
Gil, embora bem-sucedido em Hollywood, escreve um romance pelo qual espera ser reconhecido. Hostilizado pelos sogros e pela noiva, que encontra um casal de amigos que aparece como contraponto intelectual às suas pretensões criativas, ele abre uma fresta no tempo e retorna à Paris dos anos 20 do século passado, onde vai conviver com seus ídolos escritores, inebriado pelo vinho e os apelos sensuais da música de Cole Porter, Let’s do it (Let’s fall in love). E resolver seu problema com o presente.

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Carla Bruni (na foto com Woody Allen) faz uma ponta no filme como guia de museu
RECURSO MÁGICO – A referência primária é A Rosa Púrpura do Cairo, filme em que Woody Allen faz uma dona de casa oprimida, interpretada por Mia Farrow, mover-se para o mundo apaixonante do sonho que vê para além de uma tela de cinema. Mas o recurso mágico perpassa toda a carreira do cineasta, de Zelig a Scoop, de Neblina e Sombras a Tiros na Broadway. Aqui, em Meia-noite em Paris, ele é mais incisivo: troca a atmosfera melô, que cobre as motivações da ingênua Cecília de A Rosa Púrpura do Cairo, por um passo determinante na trajetória de Gil.
Nos últimos anos Woody Allen dirigiu apenas um filme nos Estados Unidos, Tudo Pode Dar Certo – um filme em que, altruisticamente, indica doses de loucura e generosidade como antídoto para o mau humor dominante. Talvez ele esteja mais chateado ainda, além do seu natural desprezo à futilidade, com a falta de público e de produtores que, em certo sentido, o fizeram migrar de Nova Iorque para cidades como Londres, Barcelona, Paris – e a próxima, Roma. E por isso faça dos seus personagens norte-americanos de Meia-noite em Paris alguns dos mais antipáticos criados ao longo de sua carreira. Chega a ser constrangedor.
CELEBRIDADES – Os sogros, a noiva e o casal de amigos não dão sossego ao longo do filme para o qual o cineasta encontrou a saída como contraponto àquele mundo de aparências, consumo, superficialidade e empáfia: Gil desdenha dos compromissos fáceis que motivam todos na capital francesas e, ao soar de algumas badaladas de um sino, corre para os famosos anos da Geração Perdida de escritores e artistas norte-americanos que, desencantados com a América do entreguerras, se exilaram voluntariamente em Paris.
Nome cunhado pela escritora Gertrude Stein (Kathy Bates), autora de Autobiografia de Alice B. Toklas, de perdida, no entanto, aquela geração que antecedeu os beatniks e existencialistas, não tinha nada. Gravitava em torno da senhora Stein gente como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, William Faulkner, Ezra Pound, T. S. Elliot e Cole Porter, os expatriados norte-americanos que, ao lado de gênios europeus como James Joyce, Pablo Picasso, Salvador Dalí e Luis Buñuel formaram um grupo de intelectuais determinantes na arte e na literatura do século 20.
São nomes com os quais Gil vai conviver ao longo de uma narrativa em que sobram momentos de muita graça e humor. Fluente, claro, objetivo, Meia-noite em Paris contrapõe-se às ondulações de um roteiro que brinca, todo momento, com as aspirações intelectuais do público, levado ainda mais adiante, para além dos anos 20, ao final do século XIX. É quando encontramos nomes como Toulouse Lautrec, Gauguin e Degas, no início da Belle Époque. Ou mais ainda, ao século XVIII, no período da Revolução Francesa, em um breve instante, um dos melhores do filme, no desfecho dado ao detetive que também se embrenha nos corredores do tempo e dos palácios franceses, contratado pelo pai da noiva para saber o que o roteirista faz todas as noite, sozinho, em Paris.
Mas nada se compara ao encontro de Luis Buñuel com Gil Pierce, que, em referência ao antológico O Anjo Exterminador (1962), sugere ao cineasta espanhol que faça um filme sobre um grupo de amigos que não conseguem sair da casa onde participam de uma festa. Em um ímpeto, Woody Allen despeja a referência básica, seja ela temática ou estética, de Meia-Noite em Paris: o surrelismo do mestre insurreto de filmes como O Discreto Charme da Burguesia, O Fantasma da Liberdade e Esse Obscuro Objeto de Desejo, e seu humor corrosivo, que desanca o mundo de aparências, modismos e convenções contra o qual o desajeitado Gil Pendler, afinal e a sua maneira, não mede bala.

Fonte : Adalberto Meireles-http://pontocedecinema.blog.br

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