A ÁRVORE DA VIDA-Filme Discute Religião com Brad Pitt e Sean Penn

 

Ganhador da Palma de Ouro em Cannes, filme dirigido por Terrence Malick faz reflexão filosófica e teológica sobre a existência


Terrence Malick vive entre o céu e o inferno. Famoso por seu preciosismo e pelo zelo com que guarda sua vida particular, o cineasta e roteirista norte-americano, hoje com 67 anos, sempre retratou as duas faces em seus filmes, de "Terra de Ninguém" (73) a "Além da Linha Vermelha" (98), quando encerrou uma ausência de 20 anos do cinema indo parar entre os principais indicados ao Oscar. Nas histórias, a paz e a beleza invarialmente eram ameaçadas ou davam lugar ao conflito e à violência.


Foto: Divulgação

Brad Pitt em "A Árvore da Vida": pai rígido e ceticismo
Em "A Árvore da Vida", ganhador da Palma de Ouro em Cannes e apenas seu quinto filme em quase quatro décadas de carreira, Malick abraçou a dicotomia de vez, por seu viés mais prosaico e, talvez por isso, mais importante. Gestado há décadas e editado ao longo de quatro anos (inclusive pelo brasileiro Daniel Rezende), o longa-metragem discute as virtudes da força divina versus a natureza terrena, contando no meio do caminho a origem do universo. Ambição não falta.
O pilar da narrativa é Jack (Sean Penn, em participação breve), um arquiteto do mundo atual que embarca numa viagem rumo à sua infância no Texas da década de 1950. A alegria e a liberdade das brincadeiras ao lado dos irmãos menores, amparadas pelo amor incondicional da mãe (Jessica Chastain), cristã, são contrastadas pela rigidez do pai (Brad Pitt), cético, que não admite desrespeito e controla a família com mão de ferro. Também perdida no passado está a morte de um irmão no exército, aos 19 anos, comunicada por um telegrama.



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Jessica Chastain: mãe é símbolo do amor
A trama serve de pretexto para uma reflexão filosófica e teológica muito maior, que não respeita linearidade – essas poucas linhas anteriores estão embaralhadas ao longo das quase duas horas e meia de projeção e concentradas no miolo, quando a história mais se aproxima do tradicional. Malick se libertou do roteiro em busca de um cinema livre, liberto de amarras e das convenções de Hollywood.
Preenchem o vai e vem reflexões e indagamentos dos personagens, sempre em off. São diálogos com Deus, de dúvidas infantis ("onde você mora?"), passando pela moral ("por que eu deveria ser bom, se você não é?") até a pura revolta ("Ele envia moscas às feridas que deveria curar"). A discussão é emoldurada por insistentes planos em contraluz, como que para atestar que aquela luz brilhando ao fundo comprova a presença divina.
A busca por Deus também está por trás da overdose de imagens belíssimas. A perfeição da natureza, na visão de Malick, assegura a existência de um poder maior. Ele vive numa revoada de pássaros no céu, num beijo de boa noite, num banho de mangueira no jardim, numa borboleta pousando na mão. O deslumbramento dá lugar à desconfiança nos clichês de uma cachoeira, uma vela, uma árvore mexendo com o vento, tal qual a dança da sacola plástica em "Beleza Americana". A sensação de exagero e o cansaço são inevitáveis.
Isso não impede que "Árvore da Vida" seja sério concorrente a filme mais bonito da história. A câmera do diretor de fotografia mexicano Emmanuel Lubezki (que já havia trabalhado com o cineasta em "O Novo Mundo", de 2005) desliza por salas amplas de luz perfeita, na grama, na floresta ou debaixo d'água. O ápice é a mãe flutuando no ar no lusco-fusco, num raro momento de realismo fantástico, e a casa inundada que serve de metáfora para a rotina dentro do útero.

Digna de um programa excelente da National Geographic, a sequência da evolução da vida ficou nas mãos do veterano supervisor de efeitos especiais Douglas Trumbull, que estreou no ramo com "2001 - Uma Odisséia no Espaço" (68) e havia se despedido com nada menos que "Blade Runner" (82). Ele deu um tempo na aposentadoria para ajudar Malick a mostrar o Big Bang, o movimento no espaço sideral, águas-vivas, uma divisão celular vista por dentro, vulcões e o primeiro sinal de compaixão entre dinossauros, para depois seguir os  passos de um bebê.
Tudo parte de uma parábola. "A Árvore da Vida" é claramente uma profissão de fé de Terrence Malick, que adota um tom solene, regado a ópera e citações bíblicas, para questionar as opções que o homem tem diante de si: a graça ou a perdição. O discurso, porém, se alterna entre profundidade e ingenuidade, caminhando com perigo pelo terreno superficial da auto-ajuda.
Os senões são compensados por um retrato fidelíssimo da infância e de uma família verdadeira. Jessica Chastain e Brad Pitt são poderosos e os atores mirins, um documento do conflito entre inocência, prazer e do despertar do certo e errado nas crianças. Aí Malick encontra a verdade absoluta e emociona sem restrições.
A Palma de Ouro, questionada por muita gente, se justifica pela influência que o diretor adquiriu para as novas gerações – virou um farol de cinema autoral – e pela coragem em fazer uma obra sincera, que abrirá as comportas, dizem, para outras ainda menos convencionais. Uma coisa é certa: ninguém fica imune a "Árvore da Vida".


Assista Abaixo,ao final o trailer de "A Árvore da Vida"

Fonte : Marco Tomazzoni, iG São Paulo



Crítica – A Árvore da Vida (The Tree of Life)

A existência de uma Árvore da Vida é reconhecida por inúmeras crenças na forma de teorias que, embora sejam diferentes, tem mesmo significado em essência – inclusive na ciência. Na Bíblia, é uma das árvores colocadas por Deus no centro do Jardim do Éden, sendo a outra a “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal”; na Cabala, é um conceito, uma árvore é formada por dez emanações de Ain Soph, algo como uma essência universal que se manifesta em quatro diferentes planos interconectados; e na biologia é uma árvore Filogenética que representa a evolução dos seres vivos. Se disséssemos que Terrence Malick não procurou entender cada uma dessas diferente significâncias, estaríamos mentindo, visto que todas são representadas no seu novo filme, uma obra universalista que não agradará somente àqueles que buscam por blockbusters, filmes sem essência que não interagem com o “interior” do espectador.
Na trama somos apresentados aos significados da vida e fé através do decorrer da vida da família texana O’Brien, situada em meados dos anos 50. Intercalando passagens que se propõe a explorar temas surrealistas, representações das fases e origens do planeta Terra, sua significância para o universo e a representação da humanidade para ambos, a obra aproxima-se da jornada de vida do filho mais velho dessa família, Jack, e através das mudanças entre a inocência de sua infância e as desilusões de seus anos adultos, mostra um ser que nada mais é que uma alma perdida no mundo atual, em busca de respostas – para a origem ou significado da vida – questionando a existência de sua fé.
Logo no princípio da película o filme nos propõe duas análises: uma através da visão da natureza, sempre em busca da sua realização e fortalecimento; e a graça, um caminho que “nunca promove um triste fim”. Com tal proposta verificamos que, enquanto a natureza posta-se de forma impiedosa à nossa frente demonstrando ser quem/o que coordena tudo ao nosso redor, a graça age como uma esperança calorosa que cede força e auxilia na nossa luta pelo decorrer dos anos. Para demonstrar as nuances entre as duas diferentes vertentes durante o filme somos constantemente impregnados de ‘natureza’ enquanto o questionamento de um ser maior e uma força movida por nosso íntimo continuam instáveis. Assim, mesmo quando as fortes e belas imagens maximizadas pela arte de Emmanuel Lubezki interrompem-se em prol das personagens, A Árvore da Vida não passa a apresentar ordem cronológica fixa, tornando-se um misto de sensações, pensamentos e ações durante toda a sua representação, envolvendo o espectador em uma outra realidade, tão íntima e real quanto a que ele encontrará ao sair da sala de cinema.
Assim como na Cabala, onde no pilar esquerdo da árvore rege o princípio feminino, no direito o princípio masculino e no central a ligação entre os dois, parte do enredo do filme tem como intenção diferenciar a forma como mãe, pai e o elo familiar influenciam a vida de Jack e sua infância – algo que pode também relacionar-se à tal ideologia visto a consideração de que o topo da árvore representa o bem e a base o mal: seus erros e aprendizados. As diferenças mais intensas estão entre os comportamentos extremos do Pai, severo e antiquado, que age sempre em busca do fortalecimento de caráter de seus filhos fazendo concessões sobre êxito na vida e integridade, mas ao mesmo tempo amoroso e arrependido, desejando sempre que eles sigam o caminho de seus corações; e da Mãe, uma mulher em contato constante com a natureza, sempre graciosa – percebem também o conflito de visões graça x natureza? – que propaga amor e equilibra a educação dos filhos cedendo-lhes total liberdade.
Mas, não há dúvidas sobre a verdadeira inspiração de Jack: seu irmão e companheiro R.L.. Alvo de inúmeros sentimentos, experiências e transtornos durante seu crescimento, passando por momentos companheirismos, abusos, maldades, ciúmes e devoção, ele age como centro de concentração do irmão mais velho da infância até a vida adulta, onde ele ainda busca a compreensão e aceitação de sua morte, que ocorreu aos 19 anos abalando o a família e deixando em fragilizadas a fé e necessidade de fidelidade à Deus devido ao luto.
O contraste do carinho e amor incondicional dos filhos pela mãe – uma relação fortalecida por olhares, brincadeiras e carinhos, seu respeito às ações extremas do comportamento do pai – que causam em Jack confusões, temores e fragilizam seu relacionamento com o progenitor e a lealdade, falta e arrependimentos acerca do irmão, torna-se ainda mais intenso após trechos em que são clamados como que direcionados à Deus os denominativos “Father” e “Brother” – onde percebemos que embora existam gigantes diferenças no relacionamento de Jack com seus irmãos e pai o que pode ser contestado é sua fé, não seu amor por esses – sendo também compreensível a confusão que instala-se em nós quando ouvimos Jack chamar com tanto fervor por “Você” – sem completa definição de se aquilo é uma procura pela proteção da mãe ou uma busca pelo auxílio de Deus.
Quanto à presença do conceito da Árvore da Vida Filogenética, uma forma de representar a evolução dos seres vivos através da representação gráfica das relações evolutivas entre várias espécies, é inegável a concepção de que o planeta, a natureza e vida presentes nele são um organismo complexo e misterioso, apresentado através da constante demonstração dos 4 elementos da natureza envolvidos desde com a família até em presença únicas, provendo impacto devido aos bruscos cortes, a surrealidade dos primórdios da vida, demonstração do envoltório do planeta perante o amplo universo, provando nossa insignificância. Tal beleza consegue ainda ser intensificada através da trilha sonora que apresenta-se como um envoltório para compreensão da maestria de nossa existência, seja ela oriunda de qualquer força maior, colocando a eterna luta da ciência e sobrenatural diante de nossos olhos.
A parte técnica do filme é outro artifício que envolve-nos na confusão entre as atmosferas de sonho, ilusão e realidade desde a intensidade da experiência visual que move-nos com emoção durante toda a reprodução, originária do trabalho do genial Douglas Trumbull e seus efeitos em Dan Glass; a montagem do filme com sua não-linearidade brusca e atemporal; e a proposital visão infantilizada de todo esse ciclo, que nos posiciona no mesmo nível de visibilidade e compreensão de Jack. Claro, que muita dessa emoção transpassada deve-se às atuações extraordinárias de Jessica Chastain, Brad Pitt e Hunter McCracken.
Brad Pitt aqui, foge de sua zona de conforto – àqueles que esperam encontrar um Sr. Smith: não se deem o trabalho de ir ao cinema – com uma atuação madura e expressiva ao extremo; acompanhada da surpresa provida pela excelente Jessica Chastain que, com poucas palavras e muitos olhares consegue transmitir todos os conflitos de um coração de mãe. Mas o verdadeiro trunfo é, na verdade, o jovem Hunter que passa-nos com veracidade todos os transtornos que a adolescência provoca em uma criança, todas as dores da perda de seu melhor amigo, todas as marcas que isso deixa.
Em resumo, A Árvore da Vida é um filme americano não-americanizado, a obra máxima de escrita e direção de Terrence Malick. Uma viagem universalista com tentativa de compreender o decorrer dos anos de evolução no nosso planeta, a realidade da vida, as emoções, devoções e a fé dos corações humanos na nossa capacidade, uma análise de à partir de que ponto e até qual momento nós precisamos crer em algo, na presença de um Deus. É uma obra que propõe que analisemos nossas vidas, nossas ações e principalmente nossa função no meio, demonstrando que nosso amor e fé devem estar depositados nas pessoas que nos cercam e definem nosso rumo, naqueles com os quais dividimos experiências, não somente em algo que nos reconforta.
Cotação: 10/10

Trailer



Ficha Técnica


Duração:2 hr 18 min
Ano de lançamento: 2011
Estúdio: Cottonwood Pictures | Plan B Entertainment | River Road Entertainment
Distribuidora: Fox Searchlight Pictures (EUA) / Imagem Filmes (Brasil)
Direção: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick
Elenco:Hunter McCracken, Brad Pitt, Jessica Chastain, Sean Penn, Tye Sheridan, Laramie Eppler
Produção: Dede Gardner, Brad Pitt, Sarah Green, Grant Hill e William Pohlad
Música: Alexandre Desplat
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Direção de arte: David Crank
Figurino: Jacqueline West
Edição: Hank Corwin, Jay Rabinowitz, Daniel Rezende, Billy Weber e Mark Yoshikawa
Efeitos especiais :D ouble Negative | Method Studios | Prime Focus

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